PLATÃO “sugere”, em A REPÚBLICA, quatro séculos antes do fato, o que seria o julgamento e morte de Cristo -, num diálogo entre Sócrates e Adimanto, no qual este assegura que, colocados um ao lado do outro, um homem extremamente Justo e um notavelmente Injusto, este comprará os juízes e sairá livre, enquanto o outro será condenado, chibateado, cuspido e, por fim, pendurado numa cruz. Mas não fica nisso: estabelece uma série de ideias, nesse e em seus outros DIÁLOGOS, que formarão a base do que seria a REVELAÇÃO no Novo Testamento.

SÓCRATES – Se alguém afirmou que a justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido, entendendo com isso que se deve dar aos amigos o bem e aos inimigos o mal, não foi sábio quem tal o disse, já que o dano causado a outrem não pode ser justo em caso algum.

CRISTO – Ouvistes o que foi dito aos antigos: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos!

SÓCRATES – Um homem que ama a sabedoria não atuará na política de sua cidade pátria, mas só na sua cidade interior. Há, no céu, um modelo da República perfeita, para quem quiser contemplá-lo e fundar, de acordo com ele, a sua cidade interior, não importando que ela exista ou venha a existir em algum lugar. Por ela regulará a sua vida e não quererá saber de nenhuma outra.

CRISTO – O Reino de Deus não vem com aparência exterior, nem dirão Ei-lo aqui ou Ei-lo ali, porque eis que o Reino de Deus está entre vós!

SÓCRATES – Quanto mais pensa em fazer fortuna, menos o homem se lembra da virtude, pois se colocarmos a riqueza e a virtude nos pratos de uma balança, uma sempre sobe à medida em que a outra baixa.

CRISTO – Onde está o teu tesouro, aí está o coração.

SÓCRATES – Não existe, talvez, maior impedimento à prática da virtude que a preocupação excessiva com o corpo. Não é próprio dos que procuram a verdade, se dedicarem avidamente aos pretensos prazeres, como os de comer e de beber.

CRISTO – Não andeis preocupados quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer e pelo que haveis de beber. Não é a vida mais que o mantimento e o corpo mais que o vestido?

SÓCRATES – A maldade pode-se obter em abundância e sem trabalho, pois o caminho é fácil e sua morada não fica longe. Mas diante da virtude puserem os deuses afã e uma estrada longa, difícil e escarpada.

CRISTO – Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição e muitos são os que entram por ela! E porque estreita é a porta e apertado o caminho que leva à vida, poucos há que a encontrem!

SÓCRATES – Quando estiverdes comendo em vossas casas, é preferível que não convides os amigos, mas os mendigos e famintos, pois eles amarão em vós um benfeitor e vos acompanharão, reunindo-se muitas vezes em vossas portas, e se mostrarão contentes, manifestando grande gratidão e orando aos deuses para que vos concedam bens.

CRISTO – Quando derdes um jantar, uma ceia, não chameis vossos amigos, nem vossos irmãos, nem vossos parentes nem vizinhos ricos, para que não suceda que também eles vos convidem e vos seja isso recompensado. Quando fizeres convite, chamai os pobres, aleijados, mancos e cegos. E sereis bem-aventurados, porque eles não têm com que vos recompensar e recompensado vos será isso na ressurreição dos justos.

Bem, como a introdução da figura de um filho de Deus e – de quebra – a do Espirito Santo – poderia trazer problemas com o monoteísmo hebreu, PLATÃO – através de seu personagem Sócrates – oferece a saída do ARQUÉTIPO, que ele explica desta maneira:

– Veja estes três dedos: polegar, indicador e médio. Cada um tem sua forma e extensão, mas todos três correspondem à ideia, arquétipo de dedo.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com