Enfim, aconteceu. Assim como as esquadras de águas-vivas, de dez a vinte metros de diâmetro, que invadiram as praias, afugentando banhistas – gerando diversas e contraditórias explicações de cientistas e ambientalistas -, as esquadrilhas de gigantescas máquinas-voadoras surgiram, de repente, nos céus, e ficaram estacionadas no ar, como excêntricos helicópteros de filmes de ficção científica, subtraindo a luz solar de parte considerável da faixa costeira.
Durante pouco mais de uma semana, permaneceram assim, imóveis, como caranguejos colossais que observassem a azáfama diária, alimentada pelo susto, daquela estranha e variada fauna. Claro que, por outro lado, o afã de vidas e riquezas foi prontamente interrompido. Bilhões de postagens, diuturnas, provocaram engarrafamentos recordes nas pontes invisíveis do ciberespaço. Os mais afoitos se auto fotografavam sob as grandes bacias de metal.
Os governantes dos países que mandam no mundo apertaram e ou discaram seus botões e telefones vermelhos, ultra confidenciais, colocando de prontidão os exércitos, marinhas e forças-aéreas mais poderosos do planeta, sustentáculos das duas principais alianças político-militares em voga, lideradas, respectivamente, pelas coalizações lideradas por China e Estados Unidos. E ficaram nisso: um mar de mísseis e canhões apontados para cima.
Do mesmo modo silencioso como chegaram, as máquinas alienígenas começaram a se movimentar. Das aberturas laterais saíram grandes caçambas, ligadas a tentáculos poderosos, que iniciaram a dragagem dos oceanos, retirando, do fundo do mar, montanhas de carcaças de aviões, navios, submarinos e tanques de guerra, além de bombas não detonadas e outras tralhas bélicas que mãos humanas haviam atirado ao mar.
Mas nada chamou mais atenção que os montes de ossadas humanas, evidências físicas dos milhares de afogamentos – a maior parte deles, provavelmente, criminosos. Nunca haviam imaginado que tantos homens e mulheres tivessem perdido suas vidas sob o denso cobertor oceânico. Os esqueletos tanto representavam tragédias coletivas – como as protagonizadas pelos navios negreiros -, como agonias individuais, incluindo os suicídios.
Depois vieram os amontoados dos variados tipos de plástico. Himalaias de garrafas de refrigerante e outros produtos (comestíveis e não-comestíveis) oriundos dos homéricos conglomerados industriais. Outro flagrante sensacional: pilhas de cápsulas de chumbo, contendo resíduos radioativos (depois do espaço sideral, o mar anterior e posterior – constatou-se – era o segundo maior depósito de lixo produzido pelas usinas nucleares).
E permaneceram nisso. Dias e dias, dragando, do fundo dos oceanos, as histórias do homem. Depois recolheram tudo com as caçambas, empanzinando seus bojos, e, sem que se ouvisse o som de um motor, elevaram-se em perspectiva, universo acima, até que nenhum olho conseguiu mais enxergá-las. Os povos correram para banhar-se no mar que só os neandertais conheceram, e lá se confraternizaram até os vasilhames da festa começarem a boiar.
William Costa: jornalista de carreira e escritor paraibano, editor do suplemento cultural Correio das Artes, cronista do jornal A União, tem vasta experiência em veículos de imprensa e é autor do livro de crônicas e contos Para tocar tuas mãos - Chronesis.
E-mail: wpcosta.2007@gmail.com