Em Seul Contre Tous (1998, “Sozinho contra todos”, em português), primeiro longa-metragem de Gaspar Noé, acompanhamos a vida de um açougueiro em desgraça, personagem já antes retratado pelo franco-argentino em seu curta Carne, mas agora com um maior apelo estético pelas mazelas da vida, de modo polêmico e subversivo, uma grande marca sua.

Acompanhamos, do começo ao fim do filme, a jornada de um açougueiro, interpretado, em brilhante atuação, por Philippe Nahon, através do qual sentimos todas as emoções emanadas de seu personagem. Em nossos dias, onde se discute exaustivamente a questão dos imigrantes, este personagem é um ótimo insight sobre como essa questão é pensada pelos nacionalistas.

A sinopse oficial do filme já é bem restrita em si. Contudo, se eu fosse fazer um resumo pobre dele, diria que é uma “odisseia às avessas” de um pai em busca de sua filha, enquanto ele confronta vários conceitos da sociedade moderna. Curiosamente, em odisseias normalmente acompanhamos a história de um herói – e isso está longe de ser o caso deste filme.

Na parte técnica, Gaspar deixa bem claro que este é um filme com sua assinatura: pouca presença de trilha sonora, movimentos bruscos de câmera, violência presente em seus personagens e em qualquer lugar que os cerca, fotografia “suja” e muito viva, que retrata muito bem a França que só ele sabe mostrar. Acaba aqui qualquer análise direta sobre o filme em si. Vale muito mais falar sobre a experiência que nos aguarda ao vê-lo.

Se este filme fosse um prato francês, eles, os franceses, talvez não tivessem a fama de possuírem uma das melhores culinárias do mundo… E não digo isso porque o filme é ruim; apenas porque, ao terminar de vê-lo, você dificilmente será a mesma pessoa que era quando deu play.

E isso não é necessariamente algo positivo! Porém, quando um filme consegue mexer com seu interior e com aquilo que molda quem você é, ele provavelmente atingiu seu objetivo. Depois de ver este filme, você terá uma nova visão sobre diferentes aspectos da vida humana.

Voltando à analogia culinária, se esta resenha fosse uma refeição, ela seria uma entrada, enquanto o filme se encarregaria de ser o prato principal. Se, depois dele, você não quiser sobremesa, tudo bem! É natural que ele lhe satisfaça.

Não se trata, aqui, de falar sobre os ingredientes do prato, sobre algo que você gostaria de degustar… Você deve degustá-lo mesmo sem conhecer seus ingredientes!

Sei que é perigoso, pois você pode ser “alérgico” a algo presente nele, mas é um risco a se correr, se você quer sentir, de verdade, o que é, para mim, uma das experiências mais angustiantes e maravilhosas que o cinema já produziu.

Por mais difícil que seja enfrentar o desconhecido, mesmo em uma situação simples como assistir a um filme, existem prazeres que só nos vêm quando passamos pelo teste de entramos em algo, sem conhecermos o bastante dele para nos sentirmos seguros.

Rodrigo Maracajá: radicado em João Pessoa, é um dos autores da novíssima geração, crítico de cinema, estudante de Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais, desbravador da literatura e apaixonado por música e HQs.

E-mail: rdrslv97@gmail.com