E Ela sempre pega esse ônibus das 7h30. Seus únicos quarenta minutos de alegria. Bom dia!, sem resposta. Ele tinha quase certeza que Ela tinha escutado sua voz. Sorriu. Lá vinha ele pontualmente, nem essa merda desse ônibus atrasava. Lembrou que tinha que recarregar seu cartão de transporte. Como em todo quinto dia do mês.
Trabalhou das 8h10 às 12h00. Almoçou. Trabalhou das 13h00 às 17h00.
Voltando para casa, notara algo de estranho. “O desconhecido que sobe no terceiro ponto e está sempre com a mesma blusa azul e está sempre com o braço suado” não subira. Aquilo não saia da sua mente. Quase perdia sua parada, quando a mulher que desce algumas paradas após a dele o acenou. Você não desce nessa? Desceu.
Acordou e já eram quase seis. Olhou no despertador. Já eram quase sete. Sabia que iria chegar atrasado de novo. Fez o primeiro café, e em movimentos já conhecidos, despejou o líquido na xícara. Despejou goles sedentos, por uma vida que não conhecia, a saudade que habita no quase. Quebrou a xícara, e não sentia culpa. Liberdade. Pela primeira vez agiu como Ele. Ímpeto.
Pensou em todas as desculpas que poderia para justificar sua ausência. Mas estava ele mesmo ausente? Seu nome era desconhecido, sua presença não passara antes por olhos de atenção. Sabia que só receberia uma multa no fim do mês, por faltar um dia de trabalho. Doença era o que seria suposto. Vontade de faltar não se passava pela mente dos governantes. Vontade não se passava pela mente de nenhum habitante de R****.
Sentou no seu sofá. Marrom. Olhou para parede. Marrom. Se misturava com o ambiente, botou uma música para germinar vida, no que sequer pulsava. Inquietante, ficara o som. Sua mente voava supersonicamente por ela mesma. Como se estivesse pensando com outras cabeças. Aquelas cabeças dos surrealistas, que já não se sabia mais da existência.
Acordou e já eram quase seis. Olhou no despertador. Já eram quase sete. Sabia que iria chegar atrasado de novo. Foi ao trabalho. Cruzou pelas florestas de olhares monótonos, sem cor. Outono. As folhas atrapalhavam sua passagem, desejava não estar ali. Ninguém o julgava, odiava, amava.
No ônibus para casa avistou “O desconhecido que sobe no terceiro ponto e está sempre com a mesma blusa azul e está sempre com o braço suado”. Estava doente. Sua vida voltaria ao nada, onde tudo circula no vazio da certeza. Chegou em casa, limpou o café que derramara ontem. E repetiu o que fez semana passada, mês passado e todos os outros tempos que circulam em suas lembranças. Morreu às dez e às seis acordou para morrer novamente.
João Gabriel Gomes: autor baiano da novíssima geração, amante da poesia, da filosofia, da arte e de tudo que se esconde no mistério humano, é também estudante de Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais.
E-mail: joao_rgomes@hotmail.com