“Meu amor é o refúgio tranquilo que você procurava e de que precisava mesmo que não procurasse. Agora você pode sossegar e suspender a busca…”
Essa frase genial se encontra em um dos maiores livros sobre os relacionamentos humanos: Amor Líquido, de Zygmunt Bauman. Desde seu lançamento, mesmo que de forma indireta, ele vem sendo usado como inspiração para muitos filmes. Hoje vim falar de dois filmes que abordam essa liquidez tão presente em nossa sociedade: a película argentina Medianeras e o filme brasileiro Entre Abelhas.
Fazer conexões entre filmes é sempre algo complicado, ainda mais caso seja preciso explicar o enredo de ambos. Sendo assim, me reservo a esperança de que você que está lendo essa resenha, caso não tenha visto os filmes, por favor, ao menos leia a sinopse e veja o trailer de cada um deles.
Medianeras é uma ode a Buenos Aires e às vidas amorosas de Martin e Mariana: é uma das muitas alegorias utilizadas para entedermos melhor não só como a cidade funciona, mas como a nossa sociedade está pautada nos dias de hoje. Já em Entre Abelhas, creio que seja quase o contrário: somos apresentados à vida de Bruno – competentemente interpretado por Fábio Porchat, que além de atuar, trabalha também no roteiro junto com o Diretor Ian Sbf. Enquanto vemos Bruno perder controle sobre sua psique após sua separação, o acompanhamos por diversos atrativos da Cidade Maravilhosa.
O ponto em comum, para mim, são as relações dos protagonistas com a sociedade. E como às vezes aquilo que nós mais procuramos, mesmo que inconscientemente, está diante de nossos olhos. A evolução das relações com o passar do tempo ocorreu de uma maneira inversamente proporcional, por assim dizer. Se, três gerações atrás, era comum as pessoas terem apenas um casamento ou até mesmo uma namorada ou namorado até o fim da vida, hoje ocorre algo totalmente diferente, ou seja, agora a regra é que cada um tenha vários casos amorosos até encontrar uma “pessoal especial”.
Honestamente, isso é algo bem natural. Vivemos em uma era nunca antes vivida, onde é possível falar com alguém do outro lado do mundo com dois toques no seu smartphone. É apenas previsível que essa liquidez se transfira para as nossas relações. E é aí onde penso que está a poesia que habita os dois filmes. Primeiro vemos os protagonistas passarem por problemas comuns ao nosso dia-a-dia e situações corriqueiras. Em seguida, vemos múltiplas vezes eles perderem a chance de realizar aquilo que mais querem: encontrar alguém especial. Diferentemente de uma sofrível comédia romântica, somos apresentados a situações reais. Nada daquele romantismo bobo que realmente só ocorre no cinema ou com uma pessoa a cada um milhão.
Mesmo que, no caso de Bruno, a situação seja um pouco mais onírica – irreal é o adjetivo correto -, percebemos, através de coadjuvantes e do próprio Bruno, situações que reforçam toda a fragilidade das nossas relações. E – spoiler – por termos que esperar literalmente até a última cena pra ele perceber o que deve fazer para se livrar de sua condição atual, pode-se não enxergar Entre Abelhas como uma história de amor – ou uma história sobre conexões. É mais fácil perceber outras questões trabalhadas no filme, como a depressão, mas creio que esse é um tópico para textos futuros.
Contudo, também vejo ambas as histórias como um reflexo – um arquétipo até eu diria – de nossa atual sociedade, onde muitas vezes abrimos mão de nossa individualidade para poder participar do todo. Hoje, por exemplo, estava almoçando sozinho na universidade e percebi que aquilo tinha se tornado atípico pra mim. Havia perdido o costume de comer sozinho – algo de que outrora sempre gostei bastante, porque usava o tempo comigo mesmo para pensar um pouco sobre o que já passou no dia e o que mais está por vir. Me acostumei a estar sempre com alguém, almoçando e jogando conversa fora, falando sobre coisas do nosso cotidiano, provas e trabalhos da universidade etc.
Em Medianeras, Martin e Mariana moram na mesma rua, em prédios que se “encaram”, porém eles nunca se viram. Sempre estiveram tão próximos e são completos estranhos. Encontram-se perdidos no grande mar de pessoas que são as metrópoles. Já Bruno tem uma bela conversa perto do fim do filme com seu terapeuta, em que este questiona se parar de ver todas aquelas pessoas não foi uma situação perfeita para que Bruno fosse capaz de enxergar a si mesmo. É de conhecimento comum que tomar certa distância de algo torna melhor a visão do todo, pois isso traz perspectiva. Às vezes, é apenas disso que precisamos: perspectiva. Isso é algo que sem dúvida voce encontrará nesses dois belos filmes, que talvez nunca ganhem o reconhecimento que merecem, mas isso nunca vai ser um demérito. Afinal, é difícil encontrar aquilo que nem sabemos estar buscando.
Rodrigo Maracajá: radicado em João Pessoa, é um dos autores da novíssima geração, crítico de cinema, estudante de Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais, desbravador da literatura e apaixonado por música e HQs.
E-mail: rdrslv97@gmail.com