O universo da música, em especial o mundo da guitarra, já produziu aberrações como Michael Angelo Batio, provavelmente um dos guitarristas mais velozes de todos os tempos, uma espécie de Paganini das cordas eletrificadas – um cara que faz um músico técnico ao extremo como Yngwie Malmsteen parecer uma criança aprendendo os primeiros acordes do instrumento. Ocorre que Batio nunca possuiu feeling em sua musicalidade, razão pela qual suas piruetas sonoras quase sempre parecem macaquices que não levam o ouvinte a lugar nenhum.

A maioria dos guitarristas metidos a ultra velozes usam muita distorção no momento de seus solos rápidos, escamoteando erros, mascadas, palhetadas equivocadas etc. Quem quer ser rápido tem que ter estilo: algo que um monstro chamado Shawn Lane teve de sobra. Usei o verbo no passado porque esse ás das seis cordas elétricas morreu em 2003, aos quarenta anos de idade, de insuficiência respiratória. Lane era portador de psoríase crônica e tinha sérios problemas de obesidade.

Além de extraordinário guitarrista, Lane era um exímio tecladista. Com apenas catorze anos, já integrava a banda de southern rock Black Oak Arkansas. Foi, porém, na música instrumental que esse gênio da guitarra se consagrou. Dono de um estilo único, Lane construía harmonias como poucos. Usava timbres inusitados e suas notas eram incrivelmente limpas – eis um guitarrista rápido que usava pouca distorção. Além disso, sua técnica era impressionante: seus bends e vibratos eram utilizados na medida certa; seus arpejos soavam divinos.

Criou um universo musical bastante eclético. Podia ir do jazz à música indiana sem qualquer tipo de constrangimento. Há muito blues, funk, levadas country e de outros estilos em seu som. Alguns de seus timbres chegam até mesmo a lembrar nossa MPB. Um grande músico instrumental é notado quando, ao ouvir seus temas, o público não sente falta do canto, da voz humana. É o que se percebe ao ouvir Shawn: suas construções harmônicas e melódicas têm muito de sua personalidade, ou seja, sua guitarra realmente “fala”.

Seu tour de fource me parece ser o álbum Powers of Ten, disco em que se destaca uma música que é sua assinatura definitiva, como é For the Love of God, de Steve Vai, ou Zap, de Eric Johnson, guitarristas bem mais famosos que o quase desconhecido Shawn. Refiro-me a Get you back (em performance ao vivo no vídeo abaixo), música que possui harmonia e melodia ímpares e de extremo bom gosto.

Com efeito – e sem defeitos! -, as mãos de Shawn Lane provam aos nossos ouvidos que alguns sons que não vêm da natureza também podem ser irretocáveis. Em precisão técnica aliada ao feeling, Lane é um dos maiores que já ouvi. Se a Bíblia nos diz que fomos concebidos à imagem e semelhança de Deus, eis aqui as cópias fidedignas das mãos do Criador.

Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.

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