Conclusão (há uma solução para o impasse?)*

É importante discutir conceitos, na temática das bolhas sociais, envolvendo questões como arrogância[1] e humildade intelectuais. A arrogância é uma barreira para conseguir que alguém mude de ideia, em termos científicos ou provavelmente quaisquer outros aspectos, podendo ser também uma via de mão dupla. Se um não vai envolver-se com pessoas que são ignorantes ou intencionalmente ignorantes, então a desinformação dominará o contexto. Mas, se alguém optar por se envolver, certamente é melhor ter paciência e mostrar respeito, mesmo com aqueles que estão mal informados. A solução é ser paciente e abandonar qualquer traço de arrogância. É curioso muitos autores da epistemologia contemporânea pregarem isso. É como se todas as pessoas fossem capazes, de uma hora para outra, de virarem praticamente monges ou mártires ascéticos (!). Contudo, é necessário tentar, ao menos, ter uma postura menos combativa e mais solidária, menos sectária e mais inclusiva.

A polarização pode ocorrer em ambos os lados. É improvável, por exemplo, que todos os que expressam, por exemplo, hesitação em relação a vacinas sejam ideólogos radicais. Alguns podem ter apenas algumas perguntas. Outros, legitimamente ou não, provavelmente se ressentem do rótulo de “negadores” e simplesmente preferem ser chamados de “céticos”. É preciso, pois, de alguma maneira, restabelecer o diálogo, a convivência entre os “diferentes”.

Um dos grandes problemas epistemológicos, no que tange às bolhas sociais, opinião pública, debates políticos e outros temas congêneres, é que, atualmente, na era da informação, muito conteúdo está à disposição de todos, sendo, muitas vezes, mal interpretado por quem o recebe. Desse modo, é necessário que saibamos filtrar a informação que nos chega. Vícios intelectuais, em um comportamento de manada típico de bolhas sociais, são difíceis de serem reconhecidos e substituídos por virtudes intelectuais. Quando todos pensam igual, é quase impossível ter espírito crítico e enxergar além das aparências. De qualquer forma, é imprescindível eliminar, em nós mesmos e em nossos interlocutores, a arrogância, o descuido, a ingenuidade, a negligência, a ociosidade, a obtusidade, a falta de rigor, a rigidez e a mente fechada[2], colocando em seu lugar atributos positivos de caráter intelectual[3] como a humildade, a cautela, o cuidado, o rigor, a reflexão crítica, a mente aberta, enfim, virtudes intelectuais que auxiliam a sondagem responsável pelo conhecimento e propiciam uma convivência social mais madura e sadia. A educação, em todas as frentes de batalha, parece ser ainda a arma mais adequada para toda essa mudança.

Entretanto, indo em direção ao radicalismo dos vícios intelectuais, poderemos nos deparar com bolhas sociais repletas de pessoas extremistas, fundamentalistas ou até mesmo fanáticas, com um grau de intolerância muito maior do que pessoas que simplesmente possuem alguns vícios intelectuais. É muito mais difícil lidar com tais tipos, por mais humildade, paciência e mente aberta que possamos ter.

É certo que o exemplo arrasta. Talvez seja recomendável que tenhamos o mesmo caráter de humildade diante do conhecimento que tinha Sócrates – tido por muitos como o pai da filosofia -, para que possamos desconstruir crenças e opiniões erradas em pessoas que nos cercam. Demonstrando sempre uma atitude de humildade na busca pelo conhecimento e pela verdade, devemos nos espelhar nele, afinal sua filosofia era desenvolvida de forma simples, mediante diálogos com seus interlocutores, magistralmente escritos por Platão, seu discípulo. Esses diálogos podem ser divididos em dois momentos básicos: a ironia (“sei que nada sei” – posição que denota humildade quanto ao conhecimento) e a maiêutica (“a arte de trazer à luz”: a mãe de Sócrates, Fenareta, era parteira). Sua forma de pergunta e resposta e o debate lógico de oposição de pontos de vista receberam o nome de dialética. Por mais que tenhamos avançado no conhecimento, talvez nossa postura epistemológica ainda deva ser semelhante à de Sócrates, depois de mais de dois milênios após a sua morte.

De qualquer maneira, as bolhas sociais, principalmente as da internet, anestesiam as pessoas e as colocam em uma espécie de zona de conforto. O famoso sociólogo Zygmunt Bauman, em entrevista ao periódico espanhol El País[4], sobre o “ativismo de sofá” das redes sociais, asseverou: “As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas, ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha”. Dessa forma, a internet, em vez de ser um instrumento revolucionário, como muitos pensam, é uma espécie de novo ópio do povo, um dispositivo que entorpece a todos com entretenimento barato.

Em uma de suas obras de maior envergadura, o sociólogo polonês assevera em seu posfácio, com um olhar ímpar: “Viver entre uma multidão de valores, normas e estilos de vida em competição, sem uma garantia firme e confiável de estarmos certos, é perigoso e cobra um alto preço psicológico”.[5]

É muito duro lutar contra a intransigência, a arrogância e a cegueira intelectuais. Isso nos remete ao complexo do pombo enxadrista. O conceito psicológico do complexo do pombo enxadrista, síndrome do pombo enxadrista ou complexo do pombo xadrezista foi criado na internet como uma ironia aplicada a determinada atitude tomada em qualquer debate. É usado para descrever o comportamento de um dos lados em uma discussão, onde um lado – invariavelmente o menos provido de referências e bases técnico-científicas, ou formalismo –, sem mais contra-argumentos, age com infantilidade. É comparado ao comportamento de uma pessoa estúpida, sendo descrito pela seguinte frase: “Discutir com ‘fulano’ é o mesmo que jogar xadrez com um pombo: ele defeca no tabuleiro, derruba as peças e sai voando cantando vitória.”

[1] Para Michael P. Lynch, em seu artigo Polarization and the problem of spreading arrogance (Polarização e o problema da disseminação da arrogância) – publicado na já citada obra Polarisation, Arrogance,  and Dogmatism, editada por Alessandra Tanesini e o próprio Michael P. Lynch, em publicação da Routledge, no ano de 2021, em Abingdon, Oxon; e  New York, NY –

a atitude epistêmica particular  na  qual  ele  se  concentra  é  uma  forma  tribal  ou relacionada a grupos, algo conhecido como arrogância intelectual. O autor argumenta que certos tipos de divergências e de polarização podem alimentar essa atitude ou, pelo menos, nossa percepção de quem a está exibindo.

* Esta é a conclusão de um artigo apresentado por este subscritor ao Mestrado em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, pelo Programa de Pós-Graduação da UFPB.

[2] Em capítulo da retromencionada obra Polarisation, Arrogance,  and Dogmatism, editada por Alessandra Tanesini e Michael P. Lynch, Heather Battaly argumenta que a mente fechada consiste em uma falta de vontade do indivíduo de revisar sua próprias crenças, ou, mais amplamente, em uma falta de vontade ou incapacidade de se envolver seriamente com opções intelectuais. E, não raro, muitas pessoas que possuem mente fechada são também arrogantes. Na cocepção de Battaly, é fácil ver como a arrogância intrapessoal pode levar a uma altivez interpessoal. Pessoas arrogantes superestimam suas próprias forças e subestimam suas próprias limitações. Eles pensam que sabem mais do que de fato sabem. Dessa forma, elas podem desenvolver um senso de superioridade intelectual e um senso de direito a privilégios especiais, o que acaba levando tais pessoas a possuírem mente fechada.

[3] Sobre essa temática, muito pertinente é o artigo Pensadores Ruins, de Quassim Cassam, traduzido por Thomas Victor Conti em seu blog.

[4] Entrevista concedida ao jornalista Ricardo de Querol, em 09 de janeiro de 2016

[5] Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2021, p.264 [Trad. de Plínio Dentzien].

Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.

E-mail: thiagojpam@yahoo.com.br