Esse é um dos tópicos mais relativos e subjetivos com que podemos nos deparar. O que há, de fato, num rosto humano? A cabeça é uma cabine de comando, com uma excrescência do aparelho digestivo, uma excrescência do aparelho respiratório, duas excrescências do aparelho óptico, duas do ótico. Algumas arrumações desse conjunto nos parecem lindíssimas, e é o caso de se perguntar se a Natureza foi particularmente feliz nesses casos, ou se fomos programados para considerá-las assim, pela mesma razão pela qual as caranguejeiras transam com caranguejeiras, polvos com polvos – que devem se achar o máximo.

Jung diz que as mulheres que parecem mais desejáveis para os homens, são as que têm mais sinais de saúde e que parecem ter maiores chances de gerar filhos saudáveis. Mas isso não é uma constante. Houve época em que mulherões como Sophia Loren eram o que havia de mais desejável para os italianos, enquanto os franceses ficavam com a mignon feita a canivete, tipo Brigitte Bardot. Mais atrás, o protótipo de beleza, na França, tinha sido o das gordinhas – como as de Renoir, enquanto para o flamengo Rubens – no século XVII – o modelo era o das gordas grandes – que seu contemporâneo Velázquez não avalizava, como demonstra seu único nu – a “Vênus do Espelho” – que a “Maja Desnuda” – do também espanhol Goya, um século mais tarde – confirma.

Já o México da primeira metade do século XX se encantou com Frida Kahlo – cuja beleza suas fotos e autorretratos nos desmentem. Diz-se que as mexicanas brancas não se depilavam para evidenciar que não eram índias – e suas (para nós) horrendas pernas peludas pareciam maravilhosas para os mexicanos… e talvez isso tenha a ver com as sobrancelhas monteiro lobato de Frida. E que dizer das mulheres-girafa, da Birmânia, com pescoço terrivelmente alongado por anéis dourados – quanto mais longos, mais lindas? 

Até o conceito de beleza na Arte muda com o tempo, como comprova o Vermeer, que só foi reconhecido uns três séculos depois de sua morte, graças a Proust, maravilhado por sua “Vista de Delft”. Shakespeare, que é o centro do cânone ocidental – segundo Harold Bloom – atravessou um vasto limbo até que Victor Hugo e Goethe o endeusaram no século passado. Bach e Rembrandt eram considerados conservadores, por seus contemporâneos. Modigliani e Van Gogh morreram na miséria. El Greco jamais foi aceito na corte espanhola. Depois, de repente, êxtases quase unânimes. Veja-se o caso de Lucien Freud e seu realismo contundente. Rejeitado várias vezes pelo MOMA – o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque – “por não ser suficientemente moderno”, fez sucesso estrondoso ao ser finalmente entronizado lá. Por que? Porque até então predominava o abstracionismo e a crítica agia – com o que não se enquadrasse nele – como grandes facções do Islã contra a representação da realidade. 

Houve um tempo em que a Arte grega – considerada, até o final do século XIX, suprassumo da perfeição – passou a ser considerada insípida, dando lugar, em destaque, à primitiva, africana, que foi atingir em cheio a pintura de Picasso no “Les Demoiselles d’Avignon”. Tenho um poema – em meu livro DeuS e outros quarenta PrOblEMAS, que fala da rejeição geral que A Ressurreição de Cristo, de Piero della Francesca sofreu em seu tempo, para – séculos depois – se tornar a base da revolução na Arte feita por Cézanne.

O que é, portanto, Beleza? Penso que a estrutura de uma época rejeita algumas formas e ritmos que vão se encaixar maravilhosamente noutra. Segundo alguns teóricos, uma geração tende, sempre, a rejeitar o que a anterior endeusou – dizem que por causa do complexo de édipo – donde a eterna alternância de períodos “clássicos” seguidos de “barrocos” seguidos de “clássicos”. Tudo muito subjetivo, relativo, portanto. E até mero produto da mídia. Segundo o “Mona Lisa”, de Donald Sassoon, a Gioconda passava batida no Louvre, até que foi roubada por um italiano que trabalhara lá por um tempo – como se soube depois. A imprensa, para valorizar a notícia, fez manchetes sobre o sumiço misterioso da “maior obra de Arte de todos os tempos”. Quando o quadro foi devolvido pelo próprio rei da Itália, o pequeno retrato cheio de craqueluras, de uma mulher que não era essas belezas todas, passou a ser a atração principal da gigantesca leva de turistas que tem ido, por todos esses anos, à França.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com