Brecht diz, entre outras coisas, em Perguntas de um Operário Letrado:
“O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?”
Não é necessário ir tão longe. O que me impressionou no Casón (pronuncia-se Cajón ) del Buen Retiro, que fica a cem metros do Museu do Prado, em Madri, dedicado exclusivamente à arte espanhola do século XIX pra trás, é que nele vi toda uma multidão de quadros (3000) de artistas que desconhecia completamente. Repetiu-se a sensação que tivera ao ler o monumental Arte Moderna, do italiano Giulio Carlo Argan, onde me deparara, igualmente, com um mundo de nomes nunca dantes avistados – tipo Antonio Fontanesi, Gaetano Previati, Filippo Palizzi, Domenico Morelli, Gioacchino Toma. Mas entendi: aquela italianada e aquela espanholada foram caldos de cultura de onde emergiriam grandes nomes de seus países, no século XX .
Claro que a Holanda do seu fabuloso século XVII também não deu apenas Frans Hals, Vermeer e Rembrandt. É evidente que a Renascença italiana não ficou em Miguelângelo, Leonardo e Rafael. Nem o grande cinema da Itália foi feito só por Fellini, Antonioni, De Sica e Pasolini.
Por falar em Miguelângelo: a grande figura que foi Anco Márcio, disse em seu blog , uma vez, que eu me considerava Deus, e ilustrou isso com o close de um dos Jeovás da Sistina. Se ele tivesse sido Cortázar, teria dito, com os agás aspirados que o argentino usava pra designar empáfia, que eu me tinha como grande hator, hartista plástico, hensaísta, hescritor – e sequer me lembro da razão de ter-me assim desancado. Como Yalitza Aparicio, de Roma, jamais pensei em fazer parte de um filme, por exemplo. E estão malhando o Oscar, no México, por ter indicado para a estatueta alguém que jamais fora atriz. Bem.
A única arte para a qual me preparei, na adolescência, foi a das tintas e pinceis – curso logo trocado por um de contabilidade, assim que saquei minhas limitações. E foi uma série de sonhos que me levou a escrever. Também não pedi pra participar, no Recife, de um filme como O Som ao Redor. E, mais: tenho consciência plena de que nunca fui um Ariano Suassuna, Tarcísio Pereira, um Bráulio ou Flávio Tavares, um Sérgio de Castro Pinto, Miguel dos Santos, Lacet, um Zé Dumont, Everaldo Pontes ou Luiz Carlos Vasconcelos.
Nem quando trabalhei com publicidade me vi livre de dar com cobras do mesmo naipe, como o Paulo de Tarso Almeida Dantas – de que você pode conferir a divulgação publicitária magnífica que ele fez da Paixão de Cristo de Pernambuco, onde vive. Meu respeito pelo trabalho alheio pode ser conferido em meu volume “Sobre 50 Livros de autores brasileiros contemporâneos que eu gostaria de ter assinado”, publicado pela Ideia alguns anos atrás, que inclui análises de várias obras de paraibanos. No mais, pés no chão. Nunca tive um escrito meu reeditado ou traduzido – apesar de alguns prêmios nacionais – e a maioria do que fiz já está esquecido. Isso me põe e a muitos outros, com lucidez, como integrante do caldo de cultura do estado – feito aqueles três mil anônimos del Casón.
W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.
E-mail: waldemarsolha@gmail.com