Orgulhei-me do espetáculo “O Vau da Sarapalha”, do Luiz Carlos Vasconcelos, como se fosse meu. É como se eu tivesse assinado a gigantesca instalação “Ulisses”, do José Rufino. Como se eu tivesse escrito “Liturgia do Fim” – de Marília Arnaud; “Julho é um bom mês pra morrer” – do Roberto Menezes; “Signo e Imagem em Castro Pinto”, do João Batista de Brito, ou gravado “Muito Além de Taprobana e Pasárgada”, em lugar do próprio Sérgio.

Sinto-me, também, como se eu é que tivesse pintado mamutes e bisontes há 30 mil anos, nas cavernas de Altamira e Lascaux. Como se eu, e não Gutemberg, tivesse criado os tipos móveis e inventado a imprensa. Como se eu, e não Klimt – houvesse deslumbrado o mundo com um dourado Art Nouveau. Como se eu, não Borges, tivesse escrito “Outro poema dos dons”. Foi emoção muito forte ver, no Louvre, o que um cara como eu fez em Samotrácia, há dois mil anos, esculpindo uma Vitória com a nudez – feita de pedra – envolvida em mágico véu – de pedra, também. Como gostaria de ter sido o Kubrick de 2001 e de Spartacus! Como eu gostaria de ter dirigido a sequência da Batalha de Loot Train, na série Game of Thrones! 

Esse sentimento não é exclusividade minha. 

Já ouvi tantos dizerem “Quando o homem criou a roda”, “Quando compôs a Nona Sinfonia”, “Quando criou o computador”. Tem a ver com Armstrong dizendo, na Lua, que o que fazia, ali, era “Um pequeno passo do homem, um grande salto para a Humanidade”. 
O entomologista W. M. Wheeler disse que os cupinzeiros, colmeias e formigueiros devem ser encarados como os verdadeiros indivíduos, dos quais os cupins, abelhas e formigas seriam células errantes, comandadas por hormônios especiais. A reunião dessas células faria aparecer uma espécie de “atmosfera psíquica”, uma “vontade coletiva”, um superorganismo gerador de ações complexas, como a construção daquelas suas habitações sofisticadas. Mas assim como me orgulho desse estudo, mais ainda me envaideço de encontrar a mesma coisa na muito anterior “A Evolução Criadora” – de Bergson, que disse nesse livro de 1907: 

– A colmeia é realmente – não metaforicamente – um único organismo, do qual cada abelha é uma célula unida às outras por laços invisíveis.

Parece-me que o Evangelho quase chega a dizer isso, quando faz Jesus declarar que “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estarei eu”. Ou Hobbes, ao reconhecer o egoísmo fundamental do ser humano (onde “homo homini lúpus” – “o homem é o lobo do homem”), e onde esse próprio egoísmo nos induz ao pacto da lei obrigatória para todos, criando-se o Estado político, de força insuperável, a que ele deu o nome de um monstro bíblico, Leviatã, onde todos se tornariam poderosos por passarem a fazer parte dEle. Já Marx pregava a formação de uma união dos proletários acima de todas as pátrias. Mas todos esses autores me parecem desconhecer a entidade acima de todos os esforços corporativistas: o superorganismo Homem. 

Dói-me – por outro lado – sentir-me alguém como o Führer, a odiar judeus a ponto de exterminar seis milhões deles, ou como os judeus, que ainda hoje se consideram o povo eleito do feroz deus tribal que eles próprios criaram à própria imagem e semelhança. 
Gostaria tanto de ter criado o prólogo do “Henrique V”, de Shakespeare – que exorta a plateia do Globe a colaborar com esse grandes espetáculo usando a imaginação – quanto me sentiria imensamente feliz se meu nome fosse Lennon e, repetindo o Bardo, assinasse o “Imagine”, conclamando a todos, a pensar em algo maior: uma época em que não existam, mais, nações, religiões, “nada pelo que morrer nem matar”.

– Isso não é difícil.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com