O MASP – de minha infância; O Museu do Prado – em Madri; o Louvre – em Paris; a Galeria Nacional – em Londres… foram alguns dos ambientes em que só faltei tirar os sapatos, quando os visitei. Mas… nada é perfeito.

Eu já estava no terceiro mês de trabalho em minha versão do “Jardim das Delícias”, de Hieronymus Bosch – 1994 -, meu paraíso com direito a uma moto, carros, trem, windsurf e helicóptero, quando fui ver o original, na Espanha. Dois impactos: o tríptico estava completamente desbotado ( fizeram uma restauração, depois, terminada em março de 2000 ) e… eu disse ao diretor do Prado que a obra não tinha dois metros e vinte de altura, como constava do catálogo.

-Como o senhor sabe, sem medi-lo?

– Estou fazendo uma versão contemporânea do quadro central e preciso de uma escada para trabalhar na parte mais alta. Aqui eu não precisaria.

Não acreditou em mim, claro. Pode checar essas dimensões em qualquer fonte, no Google, por exemplo: continuam 2,20m X 3,89m.

Outubro de 2008: tive uma troca de e-mails com a Galeria Nacional – National Gallery – de Londres:

– Seu acervo é magnífico, mas chocou-me o estado de uma de suas principais peças, O Casal Arnolfini, de Van Eyck. O retrato duplo, famoso pela límpida e clara meticulosidade, está… escuro! Tanto, que não consegui ver, nele, as minúsculas – por isso mesmo célebres – cenas da Paixão, na moldura circular ao redor do espelho olho-de-peixe, ao fundo da cena!

Resposta:
– Agradecemos sua especial atenção, mas o que temos a lhe dizer é que obedecemos a padrões internacionais de conservação e restauração de obras de arte.

– Sinto pela insistência – revidei -, mas o crucificado sumiu, no óleo sobre madeira que os senhores têm aí!

– A explicação, parece-nos, está no fato de que em fotos de alta resolução costuma-se ver o que não se consegue divisar na própria obra.

Desisti. E sem acrescentar que tivera mais três decepcões na visita à coleção gigantesca. Eu fizera – anos antes – uma cópia do Autorretrato de Rembrandt com Trinta e Quatro Anos, deslumbrado pelo seu chiaroscuro. A diferença entre o que está na minha sala, entretanto, e seu original, em Londres, é imoral! Óbvio que não me refiro à qualidade, mas parece que alguém trocou a lâmpada de duzentas velas que ilumina a minha versão, por uma de vinte, na dele. O mesmo senti, angustiado, ante A Ceia em Emaús, de Caravaggio, lindíssima e muito viva nas fotos de que disponho, opaca e sem vida, no original que tive lá, à minha frente. E a celebérrima luminosidade das pequeninas telas de Vermeer? Nem pensar!

Museu de Arte de São Paulo – 1952. Rembrandt de novo. Eu tinha 11 anos e foi uma luta pra conseguir do carpinteiro Fortunato Solha a liberação pra que uma de minhas irmãs me levasse para ver o Autorretrato com a Barba Nascente, de Rembrandt, que eu vira em meu “Primeiro Encontro com a Arte”- o livro que o velho acabara de me dar. O encontro de meus olhos com os do holandês foi inesquecível. Mas… 37 anos depois – 1989 – uma comissão de especialistas conterrâneos dele concluiu que o quadro do MASP não era do mestre, mas do círculo a que ele pertencia, com o que o prestígio da obra despencou de vários milhões para alguns milhares de dólares. Levantada a dúvida sobre a competência ou lisura de Pietro Maria Bardi, que fizera a compra em nome de Assis Chateaubriand, a suspeita de autenticidade estendeu-se a outras aquisições do MASP, como o Retrato do Conde-Duque Olivares, que passou a ser apenas atribuído a Velásquez, e A Ressurreição de Cristo, que muito expert, hoje, garante não ser de Rafael.

A sensação, ante essas coisas, foi a mesma de quando vi – em todos os telejornais da época– um guindaste arrancando a estátua de Lênin do pedestal, no porto de Gdansk, numa ação aplaudida pelos operários poloneses.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com