Depois de tanta correria, nas compras de fim de ano, é hora de dar uma paradinha, mas nem tanto. Arrumar a mesa, para a ceia natalina, mandar mensagens para os familiares e amigos, lembrando do convite para logo mais à noite, ajustar os móveis recém-comprados da sala, provar a roupa nova.
Hora de conferir também despensa e geladeira. Gelo para as bebidas, ok. Doces e salgados, ok. Alguém ligou para a padaria? O peru ficou de ser entregue, no ponto, às cinco da tarde. Sim, tem o terraço. Mesas e cadeiras, ok. Melhor alugar logo duas tendas. O tempo não está merecendo a menor confiança.
A árvore está uma beleza. Tem presente pra todo mundo. Até para a chata da vizinha, que todo ano aparece, não precisa nem convidar. Mas é Natal. A gente tem que aguentar todo mundo. Até o ex vai dar uma passadinha. Só que para ele não vai ter presente. A outra que se vire. Eu já aguentei demais.
Antônia, você já varreu o terraço e o jardim? Se apresse, mulher, quero tudo em ordem antes das quatro. Não gosto de fazer nada em cima da hora. Sim, dá pra ficar até às oito horas? Depois eu me viro. Conceição disse que vinha, então ela me ajuda. Dorinha é que não toma jeito. Preguiça chegou ali e parou.
Francisco, comprasse quantas cervejas? Quatro caixas? E isso dá, homem? Só teu irmão toma uma sozinho, e nunca traz nada. Acho melhor comprar mais duas, por segurança. De repente, todo mundo cisma de tomar cerveja. Eu já conheço essa história. O que tem pouco é o que todo mundo pede.
Conceição mandou um zap. Disse que a fila do bem-mais está enorme, mas se tu for ligeiro dá pra botar as caixas de cerveja junto das compras dela. Aproveite e compre uma coca-cola de dois litros. Aqueles meninos de Conceição são muito mal-educados, passam o tempo todinho comendo e bebendo.
Dorinha, mulher, arruma pelo menos as coisas do teu quarto. Tu fica esperando por Antônia, mas hoje ela vai estar muito ocupada, porque eu não vou receber ninguém com a casa suja. Bota as sandálias dentro do guarda-roupa e tire o carregador do celular da tomada, gasta uma energia danada.
Esse cachorro hoje tá que tá. Desde de manhã que não parou de latir um só instante. Francisco, dá uns gritos em Neguinho. Que abuso dá molesta. A gente chega fica nervosa. Tanta coisa pra fazer, e ele latindo e fazendo bagunça. Se continuar assim, levo ele pra casa de Conceição e só trago amanhã.
O que é isso que está queimando no fogão? Antônia, mulher, tu não está prestando atenção na carne do almoço não? Se queimar eu não vou fazer outra não, vão ter que comer essa mesmo. Francisco, vai logo para o supermercado, homem, que na volta tem um monte de coisas para você fazer.
Sim, tu lembra onde foi que a gente guardou o crucifixo? Quase que eu ia me esquecendo. Não, em cima do guarda-roupa não está não. E eu sei lá onde foi que a gente botou, homem, vai fazer um ano. Vá logo para o supermercado, que a fila tá grande, quando chegar a gente procura. Ainda tem isso.
William Costa: jornalista de carreira e escritor paraibano, editor do suplemento cultural Correio das Artes, cronista do jornal A União, tem vasta experiência em veículos de imprensa e é autor do livro de crônicas e contos Para tocar tuas mãos - Chronesis.
E-mail: wpcosta.2007@gmail.com