Dois jornalistas se encontram na redação.

– Olá, Veiga.

– Olá, Rubião.

– Tudo firme com você?

– Nem tanto. Estou com um bloqueio para escrever. Isso me ocorre há umas duas semanas. Estou tirando leite de pedra… Talvez nem isso.

– Ih, você não vai acreditar: o mesmo está acontecendo comigo. Tenho que fechar hoje o caderno de política para o final de semana.

– E eu o de economia.

– Cara, isso aconteceu comigo ano passado.

– No meu caso, pior: há uns três meses.

– Caramba… Que faremos?

– Não sei, minha cabeça anda cheia de problemas: contas a pagar, filhos para criar, a mulher reclamando de tudo – não necessariamente nessa ordem. Não encontro paz para escrever.

– Comigo está acontecendo tudo isso, além de mais um detalhe: o Gomes ordenou que eu fosse duas vezes neste mês à sala dele…

– Pela mãe do guarda! Isso é preocupante… Por enquanto, fui apenas uma vez lá, nas últimas semanas. A temida sala da inquisição…

– Pois é…

– Você não tentou algum texto com metalinguagem? Sabe como é: às vezes é importante dissecar o próprio bloqueio para o público…

– Ah, meu camarada, fiz isso umas três vezes nos últimos dias. Os leitores já estão percebendo que estou enchendo linguiça.

– Ia comentar exatamente isso! Andei fazendo essas coisas de uns tempos para cá… Minha cabeça está quase explodindo. Nenhuma ideia sai dela.

– Tente algum tema no contexto global. Alguma coisa ligada ao Ocidente… algum ato terrorista…

– Já esgotei o Ocidente, meu amigo. Não sai mais nada da minha cachola. E você, há algum novo tema relevante no país?

– Nada, meu velho. Só os mesmos escândalos de sempre… Posso dizer também que esgotei o Brasil. Tudo se repete. Minha cachola anda fraca, quase parando.

– Situação difícil para nós, companheiro.

– É verdade. É triste, mas é verdade.

– …

– …

– Mas você falou que tudo se repete, né?

– Pois é…

– Cara, tive uma ideia mirabolante! Pegue os nomes dos envolvidos em um escândalo e jogue em outro escândalo, e vice-versa! Ninguém vai perceber! Aí você terá matérias para os próximos meses. O mar de lama é tão grande que todos os envolvidos se abraçam dentro dele… Todos os escândalos são o mesmo escândalo!

– Isso, meu amigo! Que beleza! Que ideia sensacional! Você salvou minha pele! E você, que fará?

– O mesmo! Só mudarei o contexto.

– Bom te ver, cara!

– Aquele abraço, hein!

Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.

E-mail: thiagojpam@yahoo.com.br