Depois de ter recusado a universidade, para desgosto do pai, Hemingway se entregou ao jornalismo por algum tempo. Mas a guerra na Europa fervia e ele sonhava em participar das operações para “ver as coisas de perto, ver a guerra de verdade”. Tentou em vão se alistar, sempre recusado em virtude de um defeito na vista. Mas não se conformou e encontrou outra solução: alistou-se como voluntário na Cruz Vermelha, na condição de motorista de ambulâncias no front italiano, comissionado como segundo tenente. Na Europa, após uma viagem demorada, foi servir em Fossalta di Piave, na região de Milão. Suas funções, além de transportar os feridos, consistiam em abastecer as pequenas cantinas montadas para os combatentes. E foi lá, numa noite terrível, que sofreu graves ferimentos.

Por volta de meia-noite do dia 8 de julho de 1918, durante uma violenta salva de morteiros austríacos, Hemingway se recuperou do choque e deparou com dois soldados caídos ao seu lado. Um deles não respirava mais, estava morto; o outro gemia e se contorcia de dor. Não titubeou um segundo, agarrou o ferido e içou-o para os ombros. Começou a subir a encosta, em direção ao posto de comando, quando foi atingido nas pernas por uma rajada de metralhadora. Sem saber como, continuou andando com o colega ferido nas costas e venceu o trajeto até o posto, quando perdeu os sentidos. Transportado em condições precárias, chegou ao improvisado hospital de campanha onde recebeu os primeiros cuidados e foram extraídos 28 estilhaços de seus pés e pernas (seriam, ao todo, mais de 200). Por fim, depois de muita demora e confusão, chegou ao hospital militar de Milão, onde foi internado e submetido a várias intervenções e a rigoroso tratamento. Uma das pernas escapou por milagre da amputação.

A notícia de sua bravura logo se espalhou e passou a ser considerado um herói. Recebeu muitas homenagens e depois duas condecorações.

Tratado da melhor forma, permaneceu internado por longo período. Depois, aos poucos, usando muletas e bengala, já conseguia fazer alguns breves passeios. Tinha então 19 anos de idade.

O período de internamento, se não foi agradável, também não foi dos piores. Mas foi então que conheceu a enfermeira Agnes Hannah von Kurowsky, alguns anos mais velha, por quem teve violenta paixão. Uma paixão nunca realizada e que o acompanharia por toda a vida, influindo de maneira decisiva em seu destino. Agnes seria transformada, mais tarde, em personagem de seu romance “Adeus às armas.”

Enéas Athanázio: escritor e jurista catarinense, uma das maiores autoridades do país sobre cultura indígena, colunista da revista Blumenau em Cadernos e do jornal Página 3, é autor de mais de cinquenta livros, entre eles Meu chão, O perto e o longe e O pó da estrada.

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