Quase recuperado, embora coxeando e se amparando numa bengala, Hemingway retornou aos Estados Unidos e só então se deu conta de que era uma celebridade. Entregou-se com ênfase aos escritos, dando início à publicação de sua obra, ao passo que se desenvolvia um conflito surdo e silencioso com a mãe. Trocava cartas com Agnes, que ficara na Itália, certo de que com ela se casaria. A enfermeira, no entanto, parecia recear o casamento com aquele “garoto” e foi adiando o compromisso sob a alegação de que não desejava abandonar a profissão.

Passado algum tempo, a notícia explodiu como uma bomba em forma de carta que recebeu do outro lado do Atlântico. Agnes rompia o namoro, informando que havia se apaixonado pelo tenente napolitano Domenico Caracciolo, com quem pretendia casar. Sem perceber “os indícios de um desastre iminente”, Hemingway recebeu o golpe de peito aberto, sem qualquer preparo, e sofreu com intensidade, como jamais lhe acontecera. Comentou alguém, na ocasião, “que só uma cirurgia poderia aliviar seu sofrimento, caso existisse cirurgia para esse tipo de  mal.” Mas ele reagiu, entregou-se aos escritos, à caça, à pesca e às viagens e parecia ter superado a crise, embora tudo faça crer que a ferida permaneceria aberta por toda a existência.

A própria vida, no entanto, acabou fazendo justiça pelas formas às vezes tortuosas. Quando Caracciolo levou Agnes para apresentá-la à família, o casamento foi vetado. “Ele levara-a a Nápoles – escreve o biógrafo – para apresentá-la à família. Só então Agnes descobrira que Domenico era o herdeiro de um ducado, após a morte de seu pai. A velha e orgulhosa família proibiu terminantemente o rapaz de casar com ela, supondo (falsamente) que Agnes era uma aventureira americana à caça de um título de nobreza italiana” (pág. 76). Entre o ducado e a enfermeira, Caracciolo optou pelo primeiro. E assim terminava tudo, segundo informava Agnes em carta a Hemingway, talvez na esperança de um recomeço. Mas o orgulho do escritor falou mais alto, ele procurou absorver o golpe e carregou a frustração pela vida a fora.

Esse incidente deu margem ao excelente filme “No amor e na guerra”, dirigido por Richard  Attenborough, estrelado por Chris O’Donnell e Sandra Bullock. Inspirou ainda o livro homônimo “No amor e na guerra”, de Henry S. Villard e James Nagel (Editora Rocco – Rio – 1999).

Enéas Athanázio: escritor e jurista catarinense, uma das maiores autoridades do país sobre cultura indígena, colunista da revista Blumenau em Cadernos e do jornal Página 3, é autor de mais de cinquenta livros, entre eles Meu chão, O perto e o longe e O pó da estrada.

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