Costumo dizer que tenho amigos muito generosos. Entre eles, alguns escritores. E, em meio a esse grupo mais particular, escritores generosos como Sergio de Castro Pinto, maior poeta paraibano em atividade, através de quem conheci o paulista W. J. Solha, um multifacetado artista, com incursões em inúmeras áreas de nossa cultura.
Pois bem. Foi W. J. Solha, esse paulista – o mais paraibano que conheço, diga-se de passagem -, que me pôs em contato com o gaúcho Nelson Hoffmann, um dos maiores escritores da região fronteiriça do Rio Grande do Sul e de todo aquele aguerrido Estado, nas últimas décadas. Isso aconteceu em meados de 2015, e, de lá para cá, mantivemos farta correspondência eletrônica um com o outro.
Sem nunca ter conversado pessoalmente com o mestre Hoffmann (professor, filósofo, advogado e contador – principalmente de estórias), ele se tornou um de meus maiores amigos e confidentes, de vida e dentro do universo literário. A imensa distância geográfica não nos afastou. Por intermédio dele, vim, de igual forma, a travar contato com sua filha Inês, que herdou o talento do pai e enveredou pela poesia. Foi assim, no mundo da palavra escrita, através da troca de e-mails por mais de cinco anos, que minha amizade foi se solidificando com o destemido guerreiro da resistência cultural e literária da pequenina Roque Gonzales, cidade da região missioneira do Rio Grande cuja casa de cultura local leva o nome de seu mais proeminente escritor.
Era sempre muito enriquecedor prosear com o professor Hoffmann por meio da correspondência eletrônica: de forma simples e direta, mas com muito estilo e elegância, como em boa parte de seus livros, Nelson conversava sobre temas extremamente profundos como se estivesse falando sobre a última partida de futebol (uma de suas grandes paixões) da rodada passada. Talvez isso acontecesse devido a sua vasta formação filosófica e humanista.
A generosidade do amigo Hoffmann também incluiu a publicação, em 2017, de um ensaio de minha autoria (“Hitchcock e Hoffmann: as surpresas da vida ordinária”) – no qual estabeleço um paralelo entre o inquietante livro A Mulher do Neves, do mestre gaúcho, e o filme O Terceiro Tiro (em inglês, The Trouble with Harry), do genial diretor inglês Alfred Hitchcock – no livro Literatura & Cinema, do grupo Círculo de Pesquisas Literárias – CIPEL, de Porto Alegre. O texto foi incluso, a pedido dele e após análise dos editores, nessa coletânea de ensaios de autores de variadas vertentes.
Autor de tramas cuja figura central era o inquieto advogado João Roque Landblut, Nelson escreveu romances policiais que não eram exatamente narrativas detetivescas ao pé da letra, mas apenas pretextos para tratar de outros temas mais amplos, da própria condição humana, como o meu romance O Silêncio das Sombras, muitas vezes rotulado simplesmente de “romance policial ou de mistério”. Talvez, por conta desse universo tão particular do enredo policialesco que serve de casca a embalar temas mais densos, eu e Nelson tenhamos nos aproximado de maneira tão rápida e natural.
Nelson Hoffmann incursionou por vários estilos literários, publicando mais de quarenta livros e sendo traduzido nos Estados Unidos, França, Itália e Uruguai. Por três anos, para minha honra, o escritor gaúcho foi um prolífico colaborador de meu projeto de site cultural CULTURA-e, brindando os internautas com vários de seus textos publicados. Era um profundo conhecedor da história, da cultura, dos mitos e das lendas da região das missões, no Rio Grande do Sul, e da alma humana.
Nesta semana, Nelson nos deixou, resolveu partir… Não, não partiu. Deu só um “até logo, vou ali e deixo meus livros com vocês”. Sua vida, suas reflexões, seu jeito de caminhar neste mundo de tanta perplexidade e injustiça encontra-se espalhado por sua obra, que abrange romance, novela, poesia, ensaio, crônica etc. É curioso – e isso acontece com grandes escritores -, seu jeito de se expressar parecia o “dedo de prosa” dos mineiros: era tão simples, sem afetações, tão despretensioso e próximo a nós e, ao mesmo tempo, tão eivado de sabedoria e profundidade, que até agora não parece que ele partiu, isto é, deixou de existir fisicamente entre nós. Apenas deu um “até breve”. Descansa em paz, amigo. Viverás agora pela palavra inscrita em teus livros e na memória de teus leitores.
Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.
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