Seus passos eram contados, caminhava como música, leve e penosa. Seu olhar ressoava sua alma, a mais pura peça que já compusera. Cruzava com pessoas como quem cruzava a escala diminuta. A leveza dos seus movimentos parecia passar despercebida por aqueles que não conheciam “a linguagem que todas as coisas e acontecimentos falam sem metáfora”.

Vivia para ser o seu próprio caminho, tecia sua própria rede. Escrevia a partitura dos seus passos, deixando por vez guiar-se pela mais sublime arte do improviso. Agradecia aos deuses da música, nas coisas vistas e não vistas, tocadas ou não tocadas, sentidas ou não sentidas, pela presença da mais sedutora arte do movimento inesperado.

Alquimista do sentimento humano, da vontade, do desejo, do ímpeto! Trabalhava com o encontro dos olhos, com a sinestesia dos sentidos, a conexão dos corpos. Trazia memórias da mais velha infância, do primeiro abraço, do primeiro afago, da primeira música. Que a inconsciência gravou, com cuidado, cada nota.

Saía por bares da cidade procurando ouvidos, bêbados, solitários, apaixonados. Ouvidos. Dos poucos orgasmos que a vida lhe propusera ser escutado era o que mais lhe trazia prazer. Era como se por um momento não fosse somente ele, como se estivesse conectado, no menor nível molecular, com cada pessoa ali presente. Sua poesia era a arte de captar todos sentimentos e transformar em notas. Em som.

Em cada canto em que repousava para passar a noite, às vezes em bordéis, hotéis, apartamentos, quando não custavam muito, em qualquer lugar em que pudesse recostar, limpar seus instrumentos e tocar a última música do dia, a busca pelas notas da vida prosseguia. Dos sons que provinham das vizinhanças por quais passava, o seu era o único que acolhia e parecia destoar do caos, do silêncio, da noite, da depressão.

Passou seus dias até a morte fazendo uma eterna ode à vida, ao amor, aos anseios, acima de tudo, à alma. No passar dos seus anos, conheceu todos os cantos da paixão humana, descrevia precisamente todos os toques, corpo a corpo, sons a corpo, amor a sons a corpo. E em seu leito não pediu nem mais um segundo de vida: se chorou foi por medo da morte do jazz!

João Gabriel Gomes: autor baiano da novíssima geração, amante da poesia, da filosofia, da arte e de tudo que se esconde no mistério humano, é também estudante de Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais.

E-mail: joao_rgomes@hotmail.com