JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA (1887-1980) deve ter sorrido de todos os críticos de literatura que comentaram seu romance A BAGACEIRA, lançado e endeusado em 1928, pois foi celebradíssimo o fato de que, com esse livro ele interrompera a longa influência inglesa sobre os autores nacionais, sem que nenhum sequer desconfiasse que, para tanto – ironia das grandes – ele usara como base… o HAMLET de Shakespeare, tal como fizera JAMES JOYCE meia dúzia de anos antes, ao criar ULISSES em cima da ODISSEIA.

Nenhum problema, pois a tragédia do Príncipe da Dinamarca fora, por sua vez, calcada na de outro príncipe , no caso Lucius Junius, da antiga Roma, que, segundo se conta, tivera o rei, seu pai, assassinado pelo próprio irmão, que assumira o trono em seu lugar, o que levara Lucius, pra escapar da morte, a se fazer de retardado mental, pelo que ganhou o apelido de “Brutus”, que significava “bronco” . Lúcio é, justamente, o nome do protagonista de A BAGACEIRA, universitário como Hamlet (que estudava em Wittenberg) e virtual herdeiro da fazenda Marzagão, ditatorialmente administrada por Dagoberto Marçau.

HAMLET E O COMPLEXO DE ÉDIPO, do biógrafo e discípulo de Freud, Ernest Jones, parece ter sido escrito depois de uma leitura do romance paraibano, pois Lúcio se apaixona – ao mesmo tempo que o pai viúvo – pela retirante Soledade, que é a cara da falecida, perda muito sentida por ambos. Jones vê, também, um amor incestuoso de Laertes pela irmã Ofélia – a namorada do Príncipe – e o que vemos em A BAGACEIRA é Pirunga – no caso apenas irmão de criação de Soledade – doido pra se casar com a moça, filha de Valentim, velho tão falastrão quanto Polonius – pai de Ofélia e Laertes – que é morto por Hamlet, lance que põe a órfã, agora sem juízo, a sair cantando por toda parte uma canção sobre uma donzela deflorada pelo amado no dia de São… Valentim.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

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