Em face dos últimos acontecimentos, nossas cortes superiores de justiça andam um tanto desmoralizadas, em que pese o status de astros da música pop que alguns ministros ostentam em nossos noticiários. Acompanhados de seu séquito de assessores que lhes servem cafezinho, abrem portas e lustram seus impecáveis sapatos, nossos vaidosos hermeneutas jurídicos viraram personagens de nosso mundo virtual, “memes” de redes sociais, assunto de rodas de mesa de botequim e por aí vai.
Pois é, o Brasil é um país curioso em muitos aspectos, inclusive no perfil de seus tribunais superiores. Em países desenvolvidos e sérios, juízes de cortes supremas evitam dar entrevistas e declarações à imprensa, a fim de impedir que haja a quebra do princípio da imparcialidade do juiz, que trata da capacidade subjetiva do órgão jurisdicional, sendo pressuposto de validade do processo, segundo o qual o magistrado deve colocar-se entre as partes e acima delas. Tal princípio, em nosso país também, é uma garantia de justiça para as partes e, embora não esteja expressa, é, de igual forma, uma garantia constitucional.
No mundo real, no entanto, assistimos a uma inversão de valores neste terreno que não deixa de ser um palco de teatro: quase todos os dias, vemos magistrados de nossos tribunais superiores, mormente do STF, dar, à torta e à direita, entrevistas para jornais, revistas, canais de televisão, falando desde os rumos da economia do país até o resultado da última rodada do campeonato brasileiro de futebol – o que atesta, além da vulgarização de tão nobre função, as feições demasiado políticas de certos cargos do nosso judiciário.
Imagino uma entrevista dada por um membro de nosso STF a jornalistas em Brasília…
– Ministro, como ficará a situação do julgamento do recurso do político em questão?
– Bem, vocês sabem que, por dever funcional, não posso me antecipar aos julgamentos, mas há uma tendência neste país a se fazer justiça com as próprias mãos. E todos sabemos que a justiça não funciona assim.
– Como assim, Ministro? Então o senhor quer dizer que o réu será absolvido?
– Alto lá, veja bem, não foi isso o que eu quis dizer, mas penso que os tribunais não podem julgar sob a pressão das ruas.
– As provas são robustas, Ministro…
– Mas devem ser analisadas dentro do contexto do processo, em respeito ao contraditório e à ampla defesa. É assim que as coisas funcionam dentro do devido processo legal.
– Esse não deveria ser o argumento dos advogados do político julgado, Ministro?
– Claro, mas estou aqui falando em nome da corte da qual faço parte. Temos que dissociar o fator político do econômico e do social, além de não deixar que nenhum deles influencie os julgados. Vocês vêm com microfones e câmeras ligados para cima de mim e acham que vou ficar calado?
– Deveria, Ministro…
– Com a devida vênia, que qualidade de jornalista é você, para me dizer o que devo fazer ou não?
– O senhor emite opiniões referentes a processos como cidadão ou como Ministro? E, quando as emite, pensa nas consequências de seus atos? Um juiz não deveria ser imparcial até em entrevistas, em vez de seguir orientações políticas ou ideológicas?
– Veja bem, meu caro jornalista, você está sendo muito polêmico. Acho que, se o Corinthians vacilar, o Santos ou até mesmo o Palmeiras pode abocanhar o campeonato. Falemos sobre futebol! É um tema mais ameno…
É claro que essa entrevista nunca iria acontecer… ou não.
Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.
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