A Professora Maria Inês de Almeida publicou em abrangente coletânea de trabalhos a respeito da literatura mineira um ensaio interessante sobre assunto pouco tratado sob o título de “Cantares de Leitura – Apontamentos sobre literatura indígena em Minas Gerais” (*). Especialista no assunto e com larga experiência na área indígena, ela expõe as razões da importância dos livros produzidos por indígenas brasileiros na preservação de sua identidade, da sobrevivência da cultura indígena e da sua condição de índios. O ensaio é redigido em rigorosa linguagem científica e em certas passagens chega a ser tão hermético que fico em dúvida se bem entendi o pensamento da ensaísta.
“Elas (escrita, leitura, traduções) são emblemáticas porque dizem muito sobre o que chamamos de literatura indígena na contemporaneidade” – escreveu a ensaísta. Ela prossegue na exposição, mostrando que os livros saídos das aldeias, em geral através de programas governamentais, contribuem para o bilinguismo e a interculturalidade previstas na Constituição Federal. Além disso, continua a autora, “é um esforço das redes públicas de educação escolar de incorporar ao sistema literário brasileiro uma escrita fora dos padrões tradicionais. Cada processo editorial configura uma cena diferente, em que a paisagem, na perspectiva de cada povo, vai se desvelando aos olhos dos leitores.” São obras criadas por quem é indígena e vê o mundo como tal, ou seja, de dentro para fora, ao contrário do indigenismo literário que vai de fora para dentro. Também é importante o papel pedagógico, mostrando ao leitor a realidade desse mundo.
A ensaísta anota, em seguida, que o índio sempre esteve presente nas manifestações orais e escritas dos colonizadores em toda a América. No Brasil, ela incursiona pela história e pela literatura para encontrar sempre “o mito do índio” desde o período barroco, passando pelo romântico e até pelo modernismo, destacando-se a obra de Oswald de Andrade. Nesse longo período histórico a língua portuguesa vai absorvendo vocábulos indígenas hoje presentes em grande quantidade no português falado no Brasil. Lembra ainda que o Nheengatu era a língua falada em geral pelos brasileiros do Norte e do litoral sudeste, sendo até hoje falada no Amazonas.
Ciente da importância da literatura indígena na escola e na vida, o índio é insistente “para fazer o nosso livro” – como ressalta a autora do ensaio. “Um livro vivo, porque não rompe com a tradição oral, mas se constitui, em sua textualidade, como performance” – prossegue ela. E para arrematar estas notas, vai mais um trecho à guisa de conclusão: “Todos os livros produzidos coletivamente pelos indígenas, publicados em Minas Gerais, com a assinatura de cada etnia envolvida, são exemplares, paradoxalmente, no sentido da singularidade de cada experiência. Cada projeto gráfico se deu como um roteiro no jogo político. O objetivo dos autores, percebe-se, era retirar do lugar de pobre perdedora a comunidade étnica que pretendiam encenar; era mostrar ao público uma existência além dos valores burgueses.” Falou e disse.
Coroando seu trabalho, a ensaísta relaciona os títulos e os autores de obras indígenas que vieram a público de 1997 a 2020 e assim facilitando o acesso dos interessados. Por fim, alinha extensa bibliografia de especialistas nem sempre conhecidos do grande público por trabalharem em área mais restrita.
Maria Inês de Almeida é professora da UFMG e da UFAC, tendo se dedicado a inúmeras experiências na área indígena. Seu ensaio é um apelo à consciência dos leitores para que sintam o empenho com que os indígenas buscam sua afirmação na sociedade brasileira sem abdicar de sua condição.
(*) “Literatura Mineira: Trezentos Anos”, Org. Jácintho Lins Brandão, Belo Horizonte, BDMG CulturaL, 2019, P. 174.
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