É simples. Deitamos de costas no tapete da pele, e permitimos que o Sol nascente creste as ervas daninhas que crescem e ramificam-se pela mente, descendo para o coração. Não demora, a brisa espalha as cinzas, e o orvalho faz do borralho adubo. Então é plantar no peito a semente, hidratá-la na respiração, e protegê-la das intermitências do pensamento. Tem-se então a flor, e, entre o azul, o vermelho e o rosa, a colorimos de pétalas brancas e gineceu amarelo.

Parece um lirismo-esotérico acerado, mas é pura realidade. O Sol pode estar lá fora ou entre as quatro paredes da sala. Que importa? Ele brilha no firmamento, no teto sobre o nosso peito ou dentro dele, como se fora um coração em chamas. Há imagens dentro e fora de nós, e não só nesses momentos, o tempo todo e em qualquer lugar. Então, o que é real e o que é devaneio, se caminhamos na rua vendo tantas coisas invisíveis e falando tantas coisas em silêncio?

Voltando à corola macia de nossa esplêndida flor, pétalas fazendo sombra como se fossem palmeiras, assentamos, suave e carinhosamente, como um rei ou rainha, quem mais amamos neste mundo. Pensemos no netinho de um ano e poucos meses, por exemplo, e não nos culpemos pelas exclusões. Na unidade, também cabem imperfeições. Estamos nus, e sorrimos, cândidos, sínteses que somos agora de uma ideia inocente de família, de nação, de humanidade.

Deste coroamento brota um sentimento que convencionamos chamar de amor. Olhamos o rebento, e sentimo-nos casa tomada pelos espíritos da felicidade, que dispensam denominações. O corpo em estado etéreo – vêm a sede de água e a fome de folhas e grãos, apenas -, de mente anoréxica em virtude da escassez de julgamentos. Então a necessidade de apertos de mãos, de abraços fortes, das não muitas palavras essenciais que, certas vezes, os olhares substituem.

No entanto, é fácil amar nossos guerreirinhos, algo parecido com a piedade que temos daqueles que a fortuna despreza, tornando-os física ou mentalmente deficitários ou negando-lhes o quinhão material. Sentimo-nos ressuscitar ao deixar cair nas mãos a moeda excedente, de pouca monta, esquivando-nos, apressados, caso os de braços estendidos queiram mais que o falso consolo do vil metal: “Cinco minutinhos para falar de minhas aflições, senhor”.

Nesse ínterim, o Sol intensifica seu brilho, e mãos invisíveis colam asas no bebê, que sai da flor voando como uma abelhinha que, após a coleta do pólen, retorna contente à sua colmeia – agora sim, isso é lírico? Colocamos, no lugar da criança, a infesta inimiga (maledicência em forma de mulher). Um demônio sai da furna oculta no fundo do peito, e nos oferece, malicioso, o tridente em brasa, para que com ele defenestremos a potestade do mal, assentada na flor.

O Sol recrudesce o brilho, e transluz a pele da divindade maléfica, qual parede de vidro que divide os cômodos da alma. Lá dentro – surpresa! -, reluz o que de idêntico temos, e percebemos uma correspondência de certas ideias, gestos e sentimentos, como se fôssemos fantoches e bonequeiros do bem e do mal, reciprocamente. Conscientes de nossa própria besta, a encaramos e sacrificamos, desfazendo a simetria, cortando, do mal, a nossa raiz.

E, assim, deitados ao Sol, como enormes lagartos, aprendemos a perdoar e amar nossos semelhantes, tornando-os abelhas de nossa flor, embora protegendo-se sempre dos ferrões daqueles que, ou deles não têm ainda consciência ou injetam, por quaisquer motivos, banais que sejam, seus venenos interiores. Revela-se que o amor é uma blindagem forte. E todo maldizer, vindo de demônios interiores, nele esbarra, e esfarela-se diante da compaixão.

William Costa: jornalista de carreira e escritor paraibano, editor do suplemento cultural Correio das Artes, cronista do jornal A União, tem vasta experiência em veículos de imprensa e é autor do livro de crônicas e contos Para tocar tuas mãos - Chronesis.

E-mail: wpcosta.2007@gmail.com