No princípio era a vila natal e a aldeia da avó paterna. Depois, a vila natal e Coimbra. E, limitado em viagens, comecei a colecionar postais ilustrados. De Portugal, sobretudo. Comecei a escrever umas coisas. E comecei a viajar por Portugal (antes de me atirar ao estrangeiro) e a fazer apontamentos das terras por onde passava e sonhei ter o meu texto literário sobre, pelo menos, uma terra de todos os concelhos do País.
E quase estive em todos os concelhos, poucos ficaram por visitar. Um dia, numa terra, ao tentar o texto literário, este falhou. Desisti. (Voltaria mais tarde). Mas, então, parei de escrever sobre terras de Portugal, mas não parei de ler, de comprar livros, colecionar folhetos. Estava passivamente ativo. E continuei a colecionar Portugal em letra de forma. Está ali, à mão, por ordem alfabética, disponível, manejável, pronto às solicitações do momento, mais as rememorações do que as memórias, mais os consolos do que as desesperanças. Para encontrar já não preciso de calcorrear quilómetros. Para saber, já não preciso de aventuras. Outros viverão e escreverão as aventuras por mim. Tudo etiquetado, domesticado, resumido, decidido.
Mesmo assim, Portugal é belo, como esta varanda onde me debruço, que serve a salinha de leitura. O olhar descansa no vale verde. No rebanho. Nas vacas brancas que pastam. No entanto, podem-nos os livros falar do verde minhoto ou do tórrido alentejano, que nenhum calafrio me subverte, melindra, castiga. Portugal desliza-me pelos dedos pacificamente, quase com deleite, como se encontrasse uma pastoral sinfónica muito do entendimento, enlevo, desfastio.
Já lhe demos centenas de páginas escritas. Agora, também, cumpre-me me colecionar. Até que um dia, ao virar da estrada ou duma esquina, a inspiração retome os seus direitos e me obrigue ao registo sensitivo. Portugal, não será preciso lê-lo. E se livros me faltassem, bastaria vê-lo, cheirá-lo, ouvi-lo… vivê-lo profundamente em todos os poros, como um fenómeno que nada tivesse de especial, mas me habitasse com a profundidade e a naturalidade do que me é essencial e meu e até o desvalorizasse por isso, mas nunca pude viver sem ele, Portugal, sim… vivê-lo por dentro, colecioná-lo por fora.
António da Silva Neves: português, natural de Trancoso, sua obra abrange a crônica, a poesia e o ensaio, com destaque para os livros Contos Peninsulares e Manuel Alves, o Poeta da Bairrada, além de sua colaboração em vários jornais e revistas portugueses, entre os quais Horizonte, Mensagem, Brasil, O Castelo, O Jornal da Província, Semanário da Região Bairradina, entre outros.
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