Teorema é de Pasolini, 1968. Eu o vi já em João Pessoa, com cerca de 30 anos, lembrando-me de Os Brutos Também Amam (Shane), de George Stevens, a que assistira pela primeira vez adolescente, nos anos 50, em Sorocaba. O primeiro se passa em Milão, quando a vida de uma família se altera por completo com a chegada do misterioso visitante vivido por Terence Stamp. O segundo, num sitiozinho do longínquo Oeste, onde chega, do mesmo modo, um enigmático pistoleiro, interpretado por Alan Ladd.

O western tem os pés no chão, mostra um ambiente acovardado por manda-chuva escoltado por um pistoleiro sombrio (Jack Palance, todo de negro), que de repente é peitado por esse louro estranho, de comportamento tão civilizado que surpreende pela precisão e firmeza com que reage a socos e tiros.

Já em Teorema, um esquisito misticismo impera. Quatro anos antes, Pasolini, marxista, rodara Il Vangelo Secondo Matteo, o que me leva ao fato de que Teorema e Shane, juntos, me lembram o Enterro do Conde de Orgaz, de El Greco, em que a metade inferior – terrena, junto à cova a que o nobre é baixado – foi feita sob influência realista de Ticiano, a superior – mística – com a alma do protagonista sendo recebida no céu, pela influência das pinceladas fluidas de Tintoretto.

No faroeste, o forasteiro vê, no final, que a esposa de seu anfitrião está apaixonada e, depois do conflito resolvido, ele se manda, pra não trair o fazendeiro amigo nem o garoto, filho do casal, de quem se tornara ídolo. Em Teorema, o sexo se solta, a família se desagrega. Quando o homem enigmático se vai, deixa uma personagem catatônica, outra transando com todo mundo, outra levitando, outro acrescentando fezes à própria pintura, o industrial – chefe do clã – tirando a roupa na estação ferroviária e fugindo pro deserto, em que desparece.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com