Qual o traço cultural fundamental de nosso povo? Onde ficam as entranhas de nossa cultura? Quais as características primordiais de nossa identidade? Em meio à aldeia global, onde se encontra o que é mais básico, rude e tribal em nosso jeito de ser? Não adentrarei aqui o tema “colonização cultural”, pois é um clichê batido por demais, além de ser um fenômeno que ocorre no mundo inteiro.
Esse questionamento, no entanto, sobre quem realmente somos como povo, é profundo e complexo e dá margem a infinitas discussões. Ariano Suassuna foi um dos homens que teve coragem, em nossos quinhentos e poucos anos de história, de fazer essas indagações.
Lançado oficialmente em 1970, no Recife, com a realização de um concerto e uma exposição de artes plásticas no Pátio de São Pedro, no centro da cidade, o Movimento Armorial surgiu sob a inspiração de Ariano. Foi uma das poucas vezes em nossa história que um projeto cultural de grande envergadura foi encampado de forma substancial pelo Estado, com resultados vigorosos.
Reunindo expressões artísticas como música, dança, literatura, teatro, cinema, artes plásticas e arquitetura, tinha como objetivo criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular nordestina, ou seja, da mais antiga sociedade em solo pátrio existente após o início do processo luso de colonização.
A Arte Armorial germinou nos círculos universitários, mais precisamente com o apoio do Departamento de Extensão Cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da Universidade Federal de Pernambuco. Em seguida, obteve apoio oficial da Prefeitura do Recife e da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, para depois ganhar o mundo.
Em suma, o movimento foi o resultado de um rico caldo cultural formado pela força da literatura de Ariano, de Raimundo Carrero (primeira foto abaixo), do maravilhoso mundo da literatura de cordel (o Romanceiro Popular do Nordeste, com forte influência da poesia medieval ibérica, barroca), da energia plástica de Francisco Brennand (segunda foto abaixo), das xilogravuras peculiares de artistas como Gilvan Samico (terceira foto abaixo) e da harmonia rústica, basilar e pungente de instrumentos como a viola nordestina, a rabeca e o pífano, acompanhamento musical das cantorias da região, terreno onde se destacaram a Orquestra Armorial de Câmara, o Quinteto Romançal e o Quinteto Armorial, entre outros. Pode-se dizer que um dos representantes de destaque no movimento, de muita penetração popular, mas sem o radicalismo armorial, foi o Quinteto Violado.
Um único artigo, todavia, é muito pouco para abarcar a grandeza de um movimento como este, visceral para a cultura nordestina e brasileira. Portanto, nosso próximo artigo nesta seção será a segunda parte deste texto.
Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.
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