É Natal, permito-me um presente. Não vou rabiscar coisa minha, atento, cheio de preocupação, querendo acertar mais do que posso. Vou espairecer, até copiar. Transcrever. De outrem. Conforme, como vier. Descomprometido.

Sou de sorte, tem muita gente boa neste mundo. Toda vez que publico alguma coisa, alguém me cumprimenta. Por escrito. Sei que a bondade e a gentileza ainda existem. Desconfio muito de mim mesmo, remoo dúvidas. A saudação anima, faz a gente existir.

Por exemplo, há pouco publiquei um texto intitulado “Jerusalém, Vara e Cabelo”. Nele, recordei meu velho professor de primeiras letras e contei alguns lances de então. Foi um sucesso. Vieram-me cartas e mensagens dos mais distantes rincões, sempre com recordações e comentários próprios. E uma pitada de gratidão pela recuperação de um tempo perdido.

A poetisa Arménia Teves, de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores, confessa: Gosto sempre de recordar minhas peripécias de menina bem mexida e marota que muitas vezes ia para detrás do quadro preto, de castigo. De São Paulo, Adelaide Petters Lessa comunica: Sua crônica “Jerusalém, Vara e Cabelo”, deliciosamente coloquial, (…) despertou-me saudades dos primeiros tempos de escola (…).

Por falar em São Paulo, quem não conhece Hernâni Donato?

Pois, essa verdadeira legenda da intelectualidade brasileira desatou a sua veia bonachona e mandou-me esta carta:

SP, 30.10.01.

N.H.:

Recebi informação privilegiada de ter ocorrido fato singular naquela parte do céu onde curtem aposentadoria especial os que, na terra, foram efetivamente professores. Nem tanto pelos seus títulos e feitos, mas pela dedicação. Por amor ao ensino e ao aluno.

Um tal Pedro Schuh atraiu atenções gerais, brandindo um jornal onde lera e relia crônica-homenagem assinada por seu ex-aluno predileto. Houve consenso quanto a ser o tal aluno o exemplo de “ex” que todo ex-professor ─ mesmo no céu ─ gostaria de lembrar.

Uma crônica para antologia. Quem quer haja dado uma única aula, sabe o que isso significa. E houve (?) inveja, no céu, pela homenagem tributada àquele professor que não sabia definir o sexo de Jerusalém. Mas também, informaram, muito sigilosamente, que revelando cultivar insuspeitada malícia, o Artur Pedro comentou:

─ Apreciaram o estilo? O ritmo, a beleza aliciante do texto?! Isso, sem maior estímulo. Imaginem o refinamento a que o autor chegaria se, de fato, eu lhe tivesse aplicado as varadas no lugar próprio e no número previsto!! De certo o tal aluno não “ouviria passarinhos”.

Valeu, o Dia dos Professores.

Abraço, grato.

(as) Hernâni.

Com essa, agora, do Hernâni Donato, eu voltei a ouvir passarinhos…

E quase me esqueço da Urda A. Klueger, de Blumenau, SC. A Urda, pelo que sei, não ouvia passarinhos, mas sentia o cheiro de goiaba: (…) marços com cheiro de goiaba nas salas de aula daqui. (…). Você veio me trazer de volta aquele momento.

Em compensação, a Urda trouxe-me de volta um outro momento de um outro tempo. Agora, que é Natal. Mandou-me o seu recente “Crônicas de Natal e Histórias da Minha Avó”. Livro novo, lançado há menos de mês, é um livro que é um presente.

Em “Crônicas de Natal e…”, a autora reúne crônicas de sua lavra, em linguagem simples e contagiante. A gente começa a ler e não para. A gente vislumbra felicidades, recorda, sente doçura e saudade, sonha, devaneia e ingressa na embaladora magia natalina. E tem certeza que o Natal é “O Dia mais mágico do ano”, pois que… Nós começávamos a esperá-lo muitos dias antes, lá pelo começo de dezembro, quando, diariamente, fazíamos um “xis” sobre o calendário pendurado na parede, perto da mesa, e depois contávamos quantos dias faltavam para o Natal. (…). E nós nos sentávamos angustiados, expectantes, quase explodindo de tensão, porque sabíamos que logo, logo Papai Noel iria bater na porta. O mundo ficava tomado de tal encanto que era difícil de suportar, enquanto as cigarras continuavam cantando e o pisca-pisca do pessegueiro continuava piscando. As velas do nosso pinheirinho ardiam misteriosamente, quando ouvíamos o portão bater, certeza inconfundível de que o bom velhinho viera. E então tínhamos certeza de que não poderia haver no mundo nada melhor do que aquilo, aquele dia de nervosismo e aquela noite de magia!

As cigarras cantam, eu escuto passarinhos, há um rebuliço no céu… E a bondade existe. Só pode ser Natal.

É Natal!

Nelson Hoffmann: escritor, professor, advogado e filósofo gaúcho, autor de vasta obra literária, com destaque para a série de livros protagonizada pelo detetive policial João Roque Landblut, também é profundo estudioso da história do Rio Grande do Sul, da cultura indígena e da região das Missões.

E-mail: nelson.hoffmann@yahoo.com.br