Um tal de José Domingos de Morais nasceu na cidade de Garanhuns, agreste pernambucano, oriundo de uma família humilde e numerosa. Seu pai, “mestre Chicão“, era um conhecido sanfoneiro e afinador de acordeons. Sua mãe poeticamente era conhecida como “Dona Mariinha”. Ambos, alagoanos.

Dono de uma prolífica discografia (sua produção vai de 1964 a 2010), desde menino José Domingos já se interessava por música, por influência do pai, que lhe dera uma sanfona de oito baixos. Aos seis anos de idade, aprendeu a tocar o instrumento e começou a se apresentar em feiras livres, bares, restaurantes e portas de hotéis, em troca de algum dinheiro, junto com dois de seus irmãos, Moraes e Valdomiro, formando o trio Os Três Pinguins.

No início da formação, tocava triângulo e pandeiro, passando depois a tocar sanfona. De tanto praticar o instrumento, por horas a fio, tornou-se um exímio sanfoneiro, impressionando a todos e passando a ser conhecido em Garanhuns como “Neném do acordeom”.

Sua consagração veio quando passou a compor a banda do mestre Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, que dispensa apresentações. Foi aí que obteve a reputação de grande instrumentista e arranjador, aproximando-se da “nata” da MPB (Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Toquinho, Chico Buarque, entre outros).

Como o escritor e gênio mineiro Guimarães Rosa desbravando os sertões e nossa língua, Dominguinhos ultrapassou todas as fronteiras e transformou uma linguagem musical regional em universal. Suas notas são econômicas e precisas, nada parece estar fora do lugar em sua música, que se vale dos melhores elementos da sonoridade da música popular nordestina, ampliando o alcance e significados do xote, baião, coco, forró, xaxado etc.

Suas improvisações são certeiras e não cansam o ouvinte. Ele extrai sentimento de cada nota, de cada acorde tocado. Todo músico de rock que se acha o ás da guitarra e enche o saco da plateia com solos quilométricos deveria ouvir Dominguinhos. Em certas linhas melódicas de suas músicas, não sentimos a ausência do canto na composição, o que atesta sua inegável qualidade de instrumentista.

No vídeo abaixo, vemos Dominguinhos em ação. O mestre absoluto do acordeom brasileiro! Quanta melodia e harmonia em seu clássico Lamento Sertanejo. Uma aula de música popular. De lambuja, dois grandes baixistas de nossa música também dão um show aqui: Arthur Maia e Ney Conceição. Com relação a essa pequena joia ao vivo, só tenho um comentário a fazer, ainda que a música fale por si só: quando vejo homens desse quilate produzindo maravilhas como essa, não entendo por que nosso Brasil continua sendo o país que poderia ter sido e que não foi…

Dominguinhos é atemporal. Sua fina melodia e suas ricas harmonizações fizeram de seu som regional um patrimônio universal do planeta música. Esse não deve nada a ninguém. Um músico com “m” maiúsculo.

Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.

E-mail: thiagojpam@yahoo.com.br