O rock and roll sempre reverberou, amplificou e potencializou, em escala planetária, sentimentos represados do gênero mais enraizado que o influenciou: o blues. É tanto que, se você prestar bastante atenção, irá perceber que bandas como Deep Purple e Led Zeppelin não são exatamente bandas de rock pesado. Elas e muitas outras dos anos 60 e 70 beberam descaradamente na fonte inesgotável do blues.
Rótulos são necessários à indústria da música. É assim que ela lança novos produtos que, na verdade, são os velhos com nova roupagem. Os vocais de David Coverdale, por mais pasteurizados que possam ser (ouça e remeta sua memória às propagandas de cigarros Hollywood nos anos 80), seguem a linha de Paul Rogers e Robert Plant, os quais, por sua vez, alimentaram-se vorazmente do blues. A guitarra de Eddie Van Halen, por mais piruetas que possa fazer, é basicamente uma guitarra bluesy.
A música popular é, na maioria das vezes, simples e visceral. Tudo, quase sempre, descamba para o blues. Jimmy Page, o protótipo do guitarrista místico dos anos 70, sabia muito disso. Eric Clapton, idem. Não foi à toa que há muito o músico inglês da lendária banda Cream, que já chegou a ser chamado de God, deixou de ser um músico rock and roll para ser um músico de blues. Tudo tão certo como dois e dois: blues é o começo de tudo, blues é destino.
Mas já imaginou quem influenciou Page e Clapton, sem esquecer, é claro, Jimi Hendrix ou Stevie Ray Vaughan? Em timbres utilizados, quem mostrou o caminho a eles? Depois que alguém chega do nada e mostra como se trilha o verdadeiro caminho das pedras, tudo fica mais fácil… Albert King, esse foi o cara.
Nascido no Mississippi, em 1923, King era uma figura imponente e robusta: tinha 1,93m de altura e pesava 118kg. Sua biografia não é muito diferente daquelas de outros bluesmen famosos. Tinha origem humilde, passou a infância e adolescência trabalhando em lavouras de algodão e começou a soltar a voz ainda na igreja local, cantando música gospel.
Seu estouro no mundo do blues ocorreu com seu segundo disco, Born under a bad sign, um dos mais vigorosos e influentes álbuns de blues do final dos anos 60, que contou com a participação da lendária banda Booker T. & the M.G.s. Don’t throw your love on me so strong, Blues Power e, em vídeo ao final deste texto, Oh, pretty woman (Can’t make you love me) – esta regravada posteriormente por vários gigantes do gênero, como Gary Morre e John Mayall & The Bluesbreakers – são alguns de seus clássicos absolutos.
A voz de Albert aliada à sua guitarra (por ser canhoto, a indefectível Gibson Flying V, pouco usual para um bluesman, era tocada de forma contrária, de modo que as cordas graves ficavam para baixo) formam uma mistura agradável, por vezes explosiva, pungente, nunca enfadonha. E há algo que é inevitável: quando sua guitarra “grita”, até parece que ouvimos Clapton em sua Fender ou Page em sua Gibson Les Paul… Mas eles vieram muito tempo depois e foram pioneiros (?) – especialmente Page – de um novo gênero que, depois de algum tempo, passou a ser chamado de heavy metal…
Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.
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