Muita gente não presta atenção ao inglês William de Ockham – Guilherme para nós -, esse frade franciscano que viveu na Idade Média, entre os séculos XIII e XIV. Sendo considerado por muitos um “pensador menor”, o estudioso e teólogo escolástico foi o mais proeminente representante da escola nominalista, para a qual a questão dos “universais”, um dos maiores problemas da filosofia, era apenas pura retórica, tola invencionice, isto é, falácia.
Seu pensamento empirista e surpreendentemente moderno para a sua época assume a defesa sem concessões do livre arbítrio, condenando a interferência do Estado ou da Igreja nas ações humanas. Discípulo de Duns Scott e advindo de uma linhagem de pensadores surgida a partir de Aristóteles, Ockham, também conhecido como “Doutor Invencível”, proclamou uma ruptura entre fé e razão, combateu a metafísica tradicional e iniciou o método de pesquisa científica moderna.
Lançou uma das mais famosas e eficientes ideias da filosofia, que ficaria conhecida como a “navalha de Ockham”. “É desnecessário fazer com mais o que pode ser feito com menos” – era o que pregava de forma categórica. Esse robusto princípio lógico representa uma veemente restrição a especulações filosóficas desnecessárias. Deve-se, por conseguinte, eliminar o supérfluo. O que é simples é perfeito – assim podemos, de igual maneira, definir o “corte” de sua navalha. Registre-se que simplicidade não é sinônimo de algo fácil, muito menos de simplismo.
Seus postulados contribuíram, de modo fundamental, para a evolução do pensamento filosófico e da ciência, mormente da física e da matemática. Vivemos em um mundo prolixo e caótico, complicado por demais. Uma pitada de Ockham em nossos dias confusos e paranoicos não faria mal a ninguém. Ele esteve muito à frente do seu tempo e anunciou um futuro que hoje se faz presente, de alguma forma, em nossa vida cotidiana. Não custa relembrar: “as entidades não devem ser multiplicadas além do necessário, a natureza é por si econômica e não se multiplica em vão”. Isso deveria ser um mantra repetido ao acordarmos, todos os santos dias – simples, perfeito e claro como um rio correndo para o mar.
Pensadores excessivamente discursivos, de prosa cansativa e arrastada, como Kant e Leibniz, não apreciavam Ockham e seus métodos. De outra banda, não raro, observo que o pensamento filosófico pós-moderno se esqueceu do frade franciscano. Ou, o que é pior, não o leu… Imaginem o exército de Derridas e Foucaults que poderíamos aniquilar, se os postulados do pensador escolástico fossem aplicados à nossa realidade por filósofos mais recentes? Decerto, muita prosa empolada e construções teóricas que nunca nos levaram a lugar algum seriam devidamente jogadas no lixo.
Isso me faz enxergar que é bem provável que só haja um campo que a navalha do teólogo inglês ainda não tenha tocado… Parece que ele permanece intacto até hoje. Não custa nada, portanto, vez por outra, imaginar a navalha de Ockham sendo aplicada ao mundo jurídico e político (em especial, o brasileiro), cortando uma certa linguagem frívola e esdrúxula e eliminando alguns padrões textuais ridículos de uma afetada cultura bacharelesca. Seria quase inconcebível ver quanta retórica vazia poderia ser evitada, quantos discursos enfadonhos deixariam de ser martelados, à exaustão, em nossos ouvidos, em tribunas e tribunais, pois quem muito diz, na verdade, não quer dizer nada… “Pauca sed bona”, diz o brocardo latino. Sendo mais objetivos e navalhando o dispensável, talvez pudéssemos controlar um pouco mais a fraude, a encenação, o engodo, a mentira.
Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.
E-mail: thiagojpam@yahoo.com.br