Caralho, boe. Tô te falando. Ainda era umas duas quando eu tava acordando – Essa…essa é outra onda que eu tenho que te contar, tava na aula até às sete. E tu sabe como são os caminhos desses labirintos que a gente circula, muitos faunos. Sempre flora; sombra nem precisava. Era noite. Cabei saindo foi direto, encontrei a galera. Foi quinta. Meio de semana é foda, tem sempre a manhã pra acordar a gente com tapa na cara, dias bons era quando tinha galo; acordar com a melodia do sol na garganta cantante. Enfim, eram duas, acordei com um barulho, já conhecia. Mas tudo que estronda parece que vem anunciante de tragédias. Acima da minha cama tinha uma casa, que tinha outra casa. Seguindo em progressão infinita. Todas feitas de cristal, caindo e ressoando por debaixo do meu travesseiro. Tenho essa mania de meter o celular debaixo do travesseiro. Parece que logo antes de acordar a gente continua sonhando. Foi o que aconteceu, é o que eu te conto. Todo som diz algo, só algo, ou sei lá. Hoje em dia nunca se sabe o quão próximo de você está a próxima bomba programada para explodir. Espero que longe. Essa foi perto: me lembro. Tinha que ter acordado às oito. Agora não sei mais para quê. A ti também não há de ser interessante, coisa chata de vida que a gente faz questão de desdenhar da importância. Assim fiz. Acho que por essas horas a sorte ainda estava do meu lado. Ou se eu prestar atenção suficiente no que eu tô pra falar, acho que posso até mudar de ideia. Não tinha aula. Dormi. 

Perguntasse o que mesmo? Lembrei. Chegou a primeira, a segunda a terceira. Todo mundo falando. Ao mesmo tempo, em uma desordem total de ideias, compreensível aos que vivem rápido. Chamaram pra vir: “todos irão.” Daí surge a lógica de eu estar aqui na frente deste palácio de loucos: esse mesmo que teus olhos fitam. Não o movimento, mas mensagens! Elas que já vieram transvestidas de futuro certo, beijando com boca adúltera meus desejos. Devia ter confiado em meus sonhos. Aqueles que tive logo antes de acordar. Mas nem faria sentido, não acredito em sonhos. Essa seria outra história, eu falando de outra pessoa, outros astros… Tô falando de mim, certo? Enfim. Eu que não me perturbo muito com escolhas, nem me deixo ficar de estômago fraco pelo porvir, comi. Arroz, batata. Essa batata, você mete todos os temperos assim por cima, óleo, forno. Salva muito a refeição. Mas sim, escolhas, eu disse mesmo que ia com todos. Claro, eu estou aqui em tua frente. Dessa parte eu acho que por toda palavra dela você já devia tá esperando. É lógico. Mas acho que se você me escutar com atenção, acho que você pode até mudar. Ah, as ideias. E a ideia foi essa, vir, seguir o movimento lógico do falo aqui; estou.

Às vezes parece que tudo isso que me sai da minha boca está deitado por escrito. Mas olhe bem, que dizer! Escute bem. Essa viagem. Prazer, estrada. Estava lá na minha casa ainda, lia alguma coisa. Aproveitei a sobriedade, em fins de semana são poucos os momentos que me deleito de tal luxo. Escutei tocar. Balançou minha cabeça, ressoou mil trens às pressas, colidindo em britas. Os sons, cara, os sons; se repetem enquanto houver espaço. Sabia que ele ia chegar. Eu já tava cozinhando de novo, para dois, para três. Lembrei que estava dedicando algum tempo a minha sobriedade, tarde demais. Estava rindo. Escutei tesouras. Frações. Chegou o momento em que todos lembram a matemática. É simples, só é precisar. Minha parte, eu que não ia deixar também de calcular, veio como uma nuvem deitando em céu, escondendo minhas estrelas. Meu céu era grande, talvez minhas nuvens seguissem em proporção. E tudo que já era, a mim se apresentou como infinito. Enfim, sextas-feiras. Nunca são iguais, mas sempre dão um jeito de acusar a clara repetição; a quem diga trágica, dos mesmos rostos, que se refletem, se seguem, se perseguem; Palavra, ou relação, não há. Há a roupa, o tênis, a bolsa, os olhos, cabelo, boca. É como um livro escrito linha por linha em extrema consonância com as regras gramaticais, sintáticas, em perfeita grafia. Se te peço pra ficar de ouvidos ao que aqui está sendo dito é porque quero que me compreendas. Eu falo, tu escuta. Entendesse? Todos permanecem sempre em mesma razão. É uma questão de lógica.

Enfim. Cheguei, depois do caminho que se traça além das ruas, ou vielas. É a imaginação que deixa tudo grande, tudo longe. E eu tenho muita, tinha muita naquele momento. Tu sabe, né? É um balanço parado essa tal de imaginação. “Mesmo parado nunca deixa de ser um balanço”. É inércia que nos mata, o tempo que sobra. E eu tava na frente de uma penhasco, pulei. Aqui estou agora, como corpo caindo, em movimento oscilante. Pareço vivo para você? Estou! Acho que porque penso. “No início a ação”. Tudo parecia igual, repetitivo. Sorte que veio uma voz me tirar do nada em que estava. “Vamo entrar! Passando essa muralha de cabeças do outro lado se encontra a fonte”. Assim falado até que tudo parece poesia, mas vai lá cortar cabeças com teu corpo, nem todos entendem a poesia clara. Isso não é nem poesia é objetivo. O que não me falaram era que tinham guardas protetores da fonte. Eu via sóis específicos, de pontos convergentes vindo em direção a minha cara, eles falavam com voz imponente de astro solar, tudo que eu conseguia era pedir acesso. Foi o que aconteceu, é o que eu te conto. As coisas que têm forma nesse mundo são palavras no meu, por isso pro seu eles podem parecer fora da lógica, mas escute o que eu te conto e tu vai ver que é. Se não fosse eu não podia nem tá aqui contando. Enfim. Entrei, passei da luz. O ambiente plasmático tinha um tom azul e luzes que cortavam todo ambiente como facas afiadas. Todas as pessoas estavam decapitadas, mas nada era comum. Não é como na época das guilhotinas que as cabeças rolavam derramando todo o sangue restante no chão, afirmando morte. As cabeças continuavam lá, os corpos estavam ao chão. Os olhos cresciam, maiores que as cabeças; me perseguiam, todos me olhavam. Todos os cantos que estava parecia ser o centro. Senti uma mão tocar minhas costas, e era como se tocasse meu rins, o acariciasse, fizesse carinho em meus pulmões. Respirei leve. A mão parou em meu ombro. Senti um suspiro perto do meu ouvido. O vento se transformou em voz. “Fica ligado, boe, todo mundo tem uma faca”. Eu que me encontrei agora em dúvida. Tudo que conseguia pensar era pensar como cabeças sem corpo portam facas a uma festa. O pensamento a gente não controla, cê sabe, né!? Só vem, parece que você está em meio a um tiroteio, completamente desarmado. Tudo que conseguir responder foi: “Já não bastavam as luzes com facas”. Acho que ele não me entendeu, ele não estava no mesmo lugar que eu. Mas eu vou te contar algo, espero que por isso não me julgue louco, ou que meus pensamentos são muito fantásticos ou místicos: são só pensamentos. Tão reais quanto copos.  Acho que tudo que eu via era só um reflexo do porvir.

Esse negócio de facas, facas e mais facas não era nada do acaso juntando as pequenas coisas na pequena mente do homem. Eram as pequenas coisas que se repetem; assim como só por estar lá, em certo lugar, causando como por nada um parecer. E esse parecer quando olhado com olhos de similitude parece que se torna parte configurante da própria repetição. Não está, é parte. Acho que vou repetir o que estou para dizer, ou tudo que eu disse é só sobre isso, mas acho que a ordem das coisas pouco importa. Lógica existe só, a gente controla o necessário para que eu possa tá aqui a vos proferir minhas merdas. E tu com esses olhos de observar-fantasia enxergar em mim também tua própria cara, para só depois realmente me escutar. Tu tá te escutando, cara, você entende o que eu tô dizendo? Pouca importa se tu tá aqui na minha frente, ou se tu bebe ou não. Isso é tudo uma questão de condição. Minha história é a própria condição, por isso te conto, você faz parte dela. Enfim. Todos tavam correndo, escuta o que vai rolar, pra uma mesma direção. E é aí que eu digo que não é só um presente do acaso que foi me dado. Eu fui para ver e vi. Tinha um cara sangrando, lembra do sangue comprovando morte. Foi daí que eu tirei essa ideia, seu sangue anunciava pronunciando palavras de deus da morte que ele estava já fora do seu corpo. É o vermelho escorrendo no cinza.  Aqui, ali logo em frente daquele bar da esquina. Desentendidos, ou já querendo apostar sua própria vontade de viver. Ou se julgavam imortais. Se sim, o ferro provou o contrário. A gente tá sempre se provando o contrário; visse que louco? A gente fala as coisas, para depois ter que ser provado errado pelo nosso próprio sangue.

João Gabriel Gomes: autor baiano da novíssima geração, amante da poesia, da filosofia, da arte e de tudo que se esconde no mistério humano, é também estudante de Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais.

E-mail: joao_rgomes@hotmail.com