As boas entrevistas não perdem nem o sabor nem a atualidade. As respostas do entrevistado, dependendo do nível argumentativo e do assunto em pauta, podem ampliar e requalificar este diálogo exatamente em função das mudanças políticas e culturais oriundas da dinâmica social, no decorrer da história. Prova disso são algumas das cinquenta entrevistas – publicadas originalmente nas “páginas amarelas” da revista Veja – editadas pelos jornalistas Fábio Altman e Rinaldo Gama para o livro A história é amarela (Editora Abril, 2017).
Muitos dos entrevistados já partiram desta para melhor. São os casos, por exemplo, de Nelson Rodrigues, Salvador Dalí, Tarsila do Amaral, Sérgio Buarque de Hollanda, Glauber Rocha, Gabriel García Márquez, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Fidel Castro, João Cabral de Melo Neto e Octavio Paz. Outros continuam vivinhos da silva, dando muito o que falar, entre os quais perfilam-se João Gilberto, Chico Buarque, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
A formatação, para entrevista pingue-pongue, de conversas mantidas ao longo de três anos entre o jornalista Hugo Estenssoro e o poeta, ensaísta e diplomata mexicano Octavio Paz – publicada na Veja edição de 13 de fevereiro de 1974, portanto há 44 anos -, é uma das melhores páginas de A história é amarela. Paz pisa em alguns calos que continuam inflamados, a exemplo do abismo cultural entre o Brasil e a América espanhola, o cosmopolitismo na esfera da cultura, a filiação política de escritores e a consequente literatura “engajada”.
Os ensaios de Paz figuram entre as minhas leituras prediletas, no campo dos estudos de narrativas, e estou sempre reiniciando a trilogia formada por O arco e a lira, Os filhos do barro e O labirinto da solidão, na esperança de concluí-la um dia. O primeiro volume citado tem passagens antológicas, e acredito mesmo que todo bom escritor que conheço aprendeu alguma coisa com ele. Onde quer que me depare com uma entrevista do mexicano, paro para ler ou ouvir, conforme o caso, e nunca perco a viagem, como aconteceu agora.
Em A história é amarela, Paz alerta para o perigo de se confundir cosmopolitismo com a aceitação sem reservas dos cânones que as culturas dominantes impõem em determinados períodos da história. Na seara da chamada “cultura de massa”, o poeta enxerga mais americanização da cultura mundial que cosmopolitismo. Para ele, cosmopolitismo “é simplesmente um sistema de referência universal”, a “aceitação de que os outros, diferentes de nós, também existem, o que nos livra de reduzir o mundo a uma imagem única”.
O autor de O arco e a lira também não acredita em literatura comprometida, seja no sentido de “realismo socialista”, seja no sentido de uma filiação política do escritor. “O ‘realismo socialista’ não é nem realista nem socialista”, critica o poeta. Destaca, porém, que não acredita que a literatura possa escapar da política. Fustiga Jorge Luis Borges – cuja alegação de que a literatura não deve ser política sustenta-se no conservadorismo do autor de O Aleph -, mas exalta a “poesia apolítica” do belgo-francês Henri Michaux, de Exorcismos.
Quanto ao seu país, Paz defende a participação de intelectuais no governo revolucionário mexicano, justificando que essa adesão se deu em virtude da exiguidade de quadros necessários para garantir a governabilidade, além de dar ao novo regime “certa eficácia e moralidade”. Sublinha, no entanto, que tal engajamento impediu que os intelectuais exercessem sua função primordial: a crítica do poder. “O verdadeiramente importante é fazer a crítica política do poder e da autoridade”, ensina o autor de Tempo nublado.
William Costa: jornalista de carreira e escritor paraibano, editor do suplemento cultural Correio das Artes, cronista do jornal A União, tem vasta experiência em veículos de imprensa e é autor do livro de crônicas e contos Para tocar tuas mãos - Chronesis.
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