Moacyr Scliar (1937 – 2011) é um muito leve, irônico, profundo escritor judeu porto-alegrense, Prêmio Casa de Las Americas, Prêmio da APCA – Associação Paulista dos Críticos de Arte –, detentor de quatro Jabutis, grau Comendador pela Ordem do Ipiranga, etc, etc, e que tem “O Centauro no Jardim” na lista dos cem melhores livros de temática judaica dos últimos duzentos anos, feita pelo National Yiddish Book Center.
A Mulher que Escreveu a Bíblia é um de seus romances que li com prazer enorme.
Freud atribuía a existência da expressiva quantidade de judeus brilhantes – Einsten, Kafka, Trotsky, Gershwin, Sarah Bernhard, etc, etc, – à cultura repressiva, demasiado teocêntrica. Mas vejo também muita leveza num primo de Moacyr, o pintor Carlos Scliar (1920 – 2001), também gaúcho (de Santa Maria), de cujas naturezas-mortas gosto muitíssimo e… não sei se Freud estava certo nisso, pois se o sério Marx era judeu, os Irmãos Marx – Groucho, Arpo, Chico e Zeppo – também eram. E eu vivia às gargalhadas com mais um “judeu brilhante” , o maestro José Alberto Kaplan, para quem escrevi os muito sérios versos da “Cantata pra Alagamar”, mas também os nada sérios do musical “Burgueses ou Meliantes?”, além do que assisti – quando trabalhava em publicidade – a um excelente documentário sobre o fino humor judeu na propaganda europeia e americana.
Eu me diverti muito com “A Mulher que Escreveu a Bíblia”. À frente de uma narrativa grandiosa, a do Pentateuco (que são os 5 primeiros livros da Bíblia), sua inesperada narradora – a tal escriba – é tão genial quão sensual e… feíssima. Gozadíssima. Pensem na Zezé Macedo, a grande parceira de Oscarito…… com um corpo … perfeito e a cabeça a mil, pois é o único ser humano com seios e útero, na bíblica Israel, que sabe ler… e escrever! Por sinal, muitíssimo bem.
Moacyr não respeita o centro vital de seu povo – a Bíblia? Sim, respeita, como todo escritor respeita um grande texto. No mais, domina-o a vontade de brincar em cima do Livro, centralizando sua estória na paixão dessa mulher horrorosa pelo belo rei Salomão (de quem se torna uma das setecentas esposas, fora as trezentas concubinas que ele tinha… e de que já não dava conta). Apaixona-se pelo belo rei… que – depois de avaliar o corpão da recém-chegada – pede que ela retire o véu do rosto… e toma um susto. A coitada está subindo pelas paredes, com um tesão sem tamanho, mas seu obscuro objeto de desejo, quando ela o tem à disposição (depois de uma revolta que levanta no harém pelo direito de pelo menos uma trepada)… broxa.
É de rolar de rir a versão que a escritora – ao ser obrigada por Sua Majestade a escrever o Gênesis – faz da história de Adão e Eva, criando um casal entusiasmadíssimo pela descoberta do sexo. Mais ainda quando o chefe dos anciãos que o rei nomeara como seus censores, abre a roupa ante a autora e lhe mostra o efeito brutal do texto que ela criara, efeito notável, depois de anos de impotência.
Caramba, a vontade é a de contar a história toda, mas fico por aqui, com uma comparação: esse romance tem muito do estilo Monty Python, o grupo inglês que produziu – entre outros grandes sucessos – o filme A Vida de Brian, que começa com os reis magos entregando o ouro, incenso e mirra ao recém-nascido da manjedoura vizinha à de Jesus, engano de que resulta grossa pancadaria.
“A Mulher que Escreveu a Bíblia” é ótimo pra quem conhece as Escrituras. Melhor ainda para quem nunca as leu e nem lê coisa nenhuma.
W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.
E-mail: waldemarsolha@gmail.com