Única peça teatral escrita por Ernest Hemingway (1899/1961) e pela primeira vez publicada no Brasil, em excelente tradução de Ênio Silveira, “A Quinta Coluna” (Bertrand Brasil – Rio – 2007) é uma obra deveras singular. Escrita em 1937 em um quarto do Hotel Flórida, em Madri, durante a Guerra Civil Espanhola, enquanto os bombardeios se sucediam até mesmo na rua contígua, provocando violentas explosões, cortando a energia e a água, sem esquecer a crônica carência de alimentos. Mesmo em circunstâncias tão absurdas, Hemingway escrevia e escrevia, com as cortinas cerradas, aproveitando os intervalos dos estrondos para organizar o pensamento. Naqueles dias a capital espanhola era atacada por quatro colunas franquistas, comandadas por oficiais alemães, enquanto outra, composta por espiões e traidores, agia dentro da própria cidade em favor do inimigo – a quinta coluna. Esperava-se na ocasião uma grande ofensiva, gerando um ambiente de tensão e expectativa. O hotel estava a cerca de mil e quinhentos metros da linha de frente e foi atingido por mais de trinta e oito projéteis de grande poder explosivo. Como correspondente de guerra de jornais americanos, o autor se deslocava até a frente de combate, em meio a bombardeios infernais, e “sempre deixava os originais escondidos e protegidos nas dobras de meu colchão de campanha. Ao voltar, era muito agradável encontrar intatos tanto o quarto quanto eles. Terminei a redação e os remeti para fora do país…” – escreveu (págs. 9 e 10). Creio que raras obras literárias poderiam, nessa situação, ser mais autênticas. Mesmo assim, parece que a peça nunca foi encenada, em parte devido à dificuldade de sua montagem, embora Carlos Baker, principal biógrafo do escritor, aluda a uma encenação, mas sem fornecer qualquer detalhe.
Infiltrada na cidade, a quinta coluna passava informações ao inimigo, apontava locais para ataques, praticava sabotagens e assassinatos, espionava de todas as formas. Para combatê-la, pequeno grupo de republicanos se entregava à contra-espionagem, embora essa atividade só venha ao conhecimento do leitor através dos diálogos que acontecem no hotel e em alguns poucos lugares. Desde então a designação quinta coluna se disseminou pelo mundo, aplicada a todo indivíduo ou grupo que age de forma subreptícia em favor do inimigo.
A Guerra Civil Espanhola teria sido o primeiro grande teste às vésperas do confronto da II Guerra Mundial, e dele resultaram terríveis massacres, incluindo a destruição de Guernica, que deu origem à célebre tela de Picasso. Na peça, porém, o grupo é bem-sucedido e consegue prender numerosos integrantes da quinta coluna. Como tantos personagens de Hemingway, Philip e Preston são homens duros, decididos e guerreiros, enquanto Dorothy parece buscar seu modelo, pelo menos no físico, na terceira mulher do autor, Marta Gelhorn. A clareza e a perfeição dos diálogos, técnica em que ele foi mestre, torna tudo claro e substitui com vantagem longas descrições. Como acentuou um crítico, esse livro revela como poucos o que ficou conhecido como estilo Hemingway, mil vezes imitado e copiado sem sucesso.
Embora jamais se entregasse à atividade política, Hemingway foi sempre antifascista e via no assalto franquista imenso perigo para a Espanha, país que amava com verdadeira devoção, intuindo que daquela experiência macabra sobreviria a carnificina da Guerra Mundial, como de fato aconteceu. “A Quinta Coluna”, além de leitura agradável, constitui rico documento humano e histórico, revelando que seu autor dominava com perfeição a técnica de escrever para o palco.
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