Este é um prato cheio para os psicanalistas que todos somos. ENTES, de Cleber Pacheco (ed. PENALUX, 2017) nos faz “ver” o que descreve – como um texto de García Márquez – , e é tão… surreal quanto ele e Lorca e Zé Limeira, além de sombrio feito um Augusto dos Anjos ou Poe. Li o livro como se estivesse vivendo o thriller de um sonho de garoto, cheio de visões à Odilon Redon, como “Lua olho que tudo penetra tudo vê”, ou à David Lynch, como “legiões de entes revirando-se numa toca deflorada no solo”, em que se “poderia ouvir lamentos dos danados”. Olha os flagrantes: “Toca boquiaberta”, “o velório da tarde”, “babas do obscuro”, “Bulício da mata”, “ganância da noite”: pepitas na escuridão em que se sente “uma inquietação vazando pelas frestas e onde soam hinos que não são ouvidos”.
ENTES é um pesadelo, na verdade . Por que? Porque “não se trata de remexer de folhagem ou bicho, de vasculhar de brisa, de fustigação de besta. Não é em volta dele, nem diante ou atrás, é dentro”.
Dentro.
Daí que nunca se sabe, nesse suspense, “o que de fato se passa, qual a anatomia do acontecimento”. Séculos atrás devorei, no Tesouro da Juventude, tudo aquilo que o garoto Lúcio – protagonista do livro – ouve ao ligar um mero aparelho de rádio que ele torna… estranho. “Dentre chiados zumbidos roncos, regurgitava, o aparelho, uma voz” – dizendo coisas que eu lia fascinado, no “Livro dos Porquês”, da coleção:
– “Você sabia que as minhocas são hermafroditas?” “ De onde veio a água que existe na Terra?” “ Como os favos das abelhas viram hexágonos?” “ Quais são os animais extintos que ainda podem estar vivos?” “ Qual a idade da Terra?”
Mas lá vem o terror: “Corria a menina Alice enquanto gritava a rainha em seu encalço: Cortem-lhe a cabeça”.
Comece a ler. Os ENTES de Cleber o esperam. Com gula.
W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.
E-mail: waldemarsolha@gmail.com