Perguntam alguns amigos qual o motivo de minha admiração por Gilberto Amado (1887/1969), cuja obra leio e releio há muitos anos. Os motivos, na verdade, são muitos. Em primeiro lugar porque ele se enquadra no rol dos escritores que admiro: foi escritor e homem de ação, exercendo com brilhantismo outras funções sem que isso prejudicasse a qualidade de sua obra. Viveu como poucos brasileiros e com grande intensidade a vida do escritor, o que não é fácil em nosso país onde escritor não é profissão.

Em seguida eu alinharia seu amor pelo Brasil, um amor exercido de forma crispada, explosiva, levando-o a tomar atitudes ríspidas com quem ousasse diminuir nosso país em sua presença. São célebres episódios a respeito, alguns deles ressoando no meio diplomático. Em seu livro “Minha formação no Recife” existe uma passagem que merece ser lembrada.

“As pessoas que estranham a exaltação amorosa com que falo do Brasil e a julgam exagerada em homem tão viajado, que viu tanta coisa grande e bonita, não avaliam a importância psicológica de ter nascido num país sem fronteiras como é o nosso, país em que a gente não tem que esbarrar a cada passo, de todos os lados, com outros países. O nosso não acaba nunca. Nele se pode caminhar sem chegar ao fim. O filho do Brasil leva, por onde vai, a vastidão da paisagem dentro da alma. Nada nos sufoca”  – escreveu ele (pp. 131/132).

Embora cidadão do mundo, tendo vivido longos anos no Exterior, na função diplomática, nunca se tornou um alienado como tantos que estudavam fora e retornavam vítimas da moléstia de Nabuco de que falava Mário de Andrade. Sobre Joaquim Nabuco, embora o admirasse, reconhecendo a importância de sua conduta na campanha abolicionista, observa que ele não tinha olhos para a realidade nacional. Como tantos outros intelectuais e políticos da época, só enxergava a Europa, em especial a França, e não via que aqui havia um país a governar, problemas a resolver, necessitando de rodovias, saneamento, educação, saúde, indústria e tudo mais.

 Gilberto Amado, ao contrário, olhava o Brasil com olhos de ver, preocupado com a nossa dura realidade. Em seus discursos, na Câmara dos Deputados e no Senado, procurava mostrar as necessidades do país e os critérios com que deveriam legislar sem que as leis aprovadas ficassem pairando no ar sem conexão com a sociedade.

 Como jurista, diplomata, professor e político prestou imensos serviços ao Brasil. Tornou-se internacionalista de renome mundial.

No aspecto literário, sua obra é das mais interessantes. Ensaísta, romancista, poeta e memorialista, foi neste último gênero que mais se projetou. É reconhecido pela crítica como um dos maiores memorialistas brasileiros, formando ao lado de Humberto de Campos e Pedro Nava. Em cinco volumes, suas memórias revelam um incansável estudioso, sempre preocupado com o seu país, e um escritor elegante e de leitura agradável e inspiradora.

Por tudo isso e muito mais, vale a pena ler Gilberto Amado. Será também uma forma de não deixar morrerem os nossos mortos.

Enéas Athanázio: escritor e jurista catarinense, uma das maiores autoridades do país sobre cultura indígena, colunista da revista Blumenau em Cadernos e do jornal Página 3, é autor de mais de cinquenta livros, entre eles Meu chão, O perto e o longe e O pó da estrada.

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