Luiz Carlos Verzoni Nejar, que adotou o nome literário de CARLOS NEJAR, está publicando a quarta edição, revista e ampliada, de seu livro “História da Literatura Brasileira”, que abrange, segundo o subtítulo, desde a carta de Caminha até os contemporâneos (Editora Noeses – São Paulo – 2022). É um volume de esmerada apresentação, e 1126 páginas, compendiando toda a produção literária nacional desde os primórdios até os dias de hoje, sem esquecer os mais recentes expoentes de nossas letras de todos os recantos do país. É uma obra que exigiu do autor uma dedicação incomum e um trabalho hercúleo para sua execução. Tornou-se, em consequência, cada vez mais indispensável ao conhecimento de nosso panorama literário como aconteceu desde a edição inicial.
Poeta de grande talento e sofisticada produção na área da poesia, como tal festejado pela crítica mais categorizada, o autor se revelou um conhecedor seguro da literatura nacional, movendo-se nesse campo com absoluta segurança. Como afirmou o analista Nelson Mello e Souza, “é um livro de crítica literária para ser lido como se bebe um grande vinho: devagar.” Com efeito, é muito bem escrito, com clareza e sem perder a densidade, tornando a leitura agradável e suave. Não obstante, serve também como segura fonte de informações para quem pretenda se aprofundar na obra deste ou daquele autor.
Partindo da carta fundadora que “ao descrever a terra, a palavra foi estabelecida para o futuro”, o autor aborda a figura e a importância de Anchieta. Comenta o barroco, com Gregório de Matos e Vieira, analisa a Arcádia e os poetas mineiros do Século XVIII e o primeiro e o segundo romantismo brasileiro, detendo-se em cada um de seus integrantes, focalizando detalhes curiosos como faz com Castro Alves. Machado de Assis e seu gênio merecem um capítulo especial rico de ensinamentos e interpretações, muitos deles surpreendentes sobre um autor cuja obra tem sido largamente estudada. Lima Barreto, um dos meus “monstros sagrados”, João do Rio e Humberto de Campos também desfilam em páginas brilhantes. O reino marginal, o cronista das sombras que sofrem merecem abordagens precisas, como também a figura múltipla de Afrânio Peixoto, ficcionista e cientista. Afonso Henriques de Lima Barreto, mulato com nome de rei, como diziam seus detratores, João do Rio, o jornalista que revelou os mercados e as feiras para bem conhecer as cidades e a alma encantadora das ruas de sua época, antes da violência desvairada de hoje e o sofrido Conselheiro XX, tão cedo alçado à glória literária e consumido pela doença e pela desgraça. Apresentam-se os simbolistas, com destaque para Olavo Bilac, ídolo de sua época, seguidos pelos intermediários, entre eles Alceu Wamosi, figura carismática, misto de aventureiro e revolucionário e o catarinense Luiz Delfino. O Rio Grande amado, chão do autor, recebe um quinhão especial onde avulta o gênio de Simões Lopes Neto, o pai do regionalismo campeiro que tanto influenciou os catarinenses como Tito Carvalho e outros. Os pré-simbolistas, avultando Da Costa e Silva, a grande voz poética do Piauí, consagrador do Velho Monge, o rio Parnaíba, o mar interior daquele Estado. O simbolismo brasileiro tem seu momento, avultando Cruz e Sousa, o maior poeta catarinense de todos os tempos. Entram em cena o romance realista e o naturalismo. Euclides da Cunha e “Os Sertões” merecem as galas de um capítulo especial, assim como Raul Pompeia, Coelho Neto e Rui Barbosa. Eis que surge Monteiro Lobato, outro de meus “monstros sagrados”, inovando, abrindo caminhos e enaltecendo a infância até então sem ter muito que ler. Os pré-modernistas ou pós-simbolistas entram em cena, destacando-se Afonso Schmidt e Paulo Setúbal. O modernismo e seus múltiplos poetas marcam forte presença.
Assim, passo a passo, vai o autor reconstituindo a história literária nacional. Épocas, movimentos, escolas, afiliados. Ficcionistas, poetas, ensaístas. Gilberto Freyre e Câmara Cascudo, os poetas pós-modernistas, Mário Quintana, Helena Kolody. O chamado romance documental dos anos 1930, seguidores, afluentes, variantes, continuadores. Numerosos e de grande riqueza e variedade. Poetas emblemáticos, João Cabral e Ledo Ivo. Poetas da Geração de 1945 e os que foram além de seus cânones. Guimarães Rosa e o grande sertão merecem um dos melhores ensaios que li e Gilberto Amado é evocado pela prosa mágica de suas memórias (Para minha surpresa ali sou transcrito – p. 715). A geração dos cronistas que lapidaram o gênero, tendo à frente o mestre Rubem Braga. Os numerosos ficcionistas da década de 1960, de norte a sul. E os que vieram depois, como os catarinenses Flávio José Cardozo, Deonísio da Silva e Cristóvão Tezza. Ariano Suassuna também merece abordagem especial, o mesmo acontecendo com o teatro nacional focalizado desde os primórdios. Péricles Prade, Lindolf Bell e C. Ronald também são objeto de análise.
Numerosos outros autores são resenhados, inclusive os que se dedicam ao mais escabroso dos gêneros literários, como dizia Agripino Grieco: os críticos de ontem e de hoje. Escritores dedicados a todos os gêneros são lembrados e merecem acolhida nestas páginas generosas. Entre eles, recorde-se de Nelson Hoffmann, falecido no ano passado, ficcionista, crítico, diarista, figura carismática e líder nato que de uma minúscula cidade da fronteira gaúcha exercia admirável influência positiva em todo o Sul e até no país. Redator do extinto jornal “O Nheçuano”, a quatro mãos com a filha Inês, poeta, praticava sem cessar o que Câmara Cascudo rotulava de intriga do bem. Nelson Hoffmann criou o personagem Dr. Landblut cujas aventuras policialescas encantavam os leitores como acontece no romance “Onde está Maria?” Ele faz muita falta e Nejar pratica um ato de justiça ao lhe dedicar um verbete.
William Agel de Mello, considerado o maior linguista vivo do país também merece justas referências. Autor de uma obra monumental na qual avulta a inspirada ideia de um idioma panlatino, também é ficcionista e tradutor. Diplomata de carreira, exerceu suas funções na África e na Europa e dessas experiências extraiu excelentes ensaios. Redigi algumas notas sobre sua obra hoje reunidas no livro “A Obra de William Agel de Mello.”
Para encerrar, permito-me anotar que também eu mereci um verbete às páginas 1102 e 1103.
O livro de Carlos Nejar é um marco em nossas letras. Há muito tempo não se editava obra de tal envergadura e importância. Deve estar sempre à mão dos que se entregam ao mais solitário dos ofícios – o de escrever – para sucessivos mergulhos no mar de ensinamentos que ele contém.
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