Essa é uma interpelação que me fazem alguns dos que me honram com sua leitura. Qual o motivo para se dedicar à leitura de um escritor que faleceu em 1948, portanto há quase setenta anos, e cuja obra foi produzida, em boa parte, há um século? A resposta é simples, ainda mais que Monteiro Lobato (1882/1948) continua sendo um dos autores nacionais mais estudados e a bibliografia a seu respeito só rivaliza com as de Machado de Assis e Euclides da Cunha.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, porque a obra de Lobato semeia cultura geral e transmite conhecimentos em variadas áreas no correr da leitura, sem qualquer pretensão pedagógica. Em “Idéias de Jaca Tatu”, por exemplo, ele desenvolve verdadeiro curso de artes plásticas, ministrando rudimentos de estética; em “Críticas e Outras Notas”, ele ministra noções de interpretação da obra literária; em “A Onda Verde” ele mostra a importância das florestas, do reflorestamento e da preservação de nossas matas. E assim em outros de seus livros.

Em segundo lugar, Lobato nos ensina a conhecer o Brasil, ou seja, a ser brasileiros. Não faz isso de forma professoral mas mostrando os fatos e inspirando o senso crítico do leitor. “O Escândalo do Petróleo” e “Ferro” são livros que todo brasileiro deveria ler, inclusive os entreguistas de plantão. Eles contêm lições fundamentais para quem deseja um país livre e soberano. O mesmo acontece em “Mr. Slang e o Brasil”, onde ele discute os mais variados problemas brasileiros.

Como se isso não bastasse, sua leitura nos ensina a escrever com clareza, precisão e elegância. Grande conhecedor da língua, leitor incansável de dicionários, ele conquistou um estilo muito pessoal, único e inigualável, imitado por muitos mas jamais alcançado.

Além disso, em sua obra está registrada uma imensa experiência de vida exercida com intensidade e nos mais diversos setores. Lobato foi um caso raro de escritor e homem de ação, a exemplo de Jack London, George Orwell, Ernest Hemingway e poucos outros. Não foi daqueles intelectuais que fecham a janela para o mundo. Basta lembrar que foi Promotor Público, fazendeiro-empreendedor, editor, livreiro, jornalista, tradutor, empresário, diplomata, crítico de artes e pintor. Isso tudo numa existência de apenas 66 anos. E tudo se refletindo na sua arte literária.

Embora constitua um lugar-comum, Lobato foi um homem adiante de seu tempo. Foi pedagogo sem conhecer Pedagogia; foi semioticista sem conhecer Semiótica; foi Letrador muito antes que essa palavra entrasse em cena com esse sentido e foi Professor sem jamais ter dado aulas. Mas em tudo que escrevia revelava o propósito de ensinar, semear livros, inundar o país de livros, educar o povo. “Uma criatura sem educação é como um terreno onde só há mato. A educação é que transforma esse terreno em canteiro de cultura das artes e ciências, úteis e belas” – falou ele pela boca da boneca Emília.

Para completar, a obra infanto-juvenil de Lobato constitui um imenso mundo de sonho, fantasia e imaginação que encanta a jovens e adultos. Nela há folclore, mitologia, lendas, humor, aventuras e as  intermináveis narrações de Dona Benta Encerrabodes de Oliveira, a proprietária do Sítio do Picapau Amarelo, sentadinha na sua velha cadeira de pernas serradas e cercada por personagens inesquecíveis, como Pedrinho, Narizinho, Emília, Tia Nastácia e o Visconde de Sabugosa, sem falar nos mais estranhos visitantes.

Quem nunca leu Lobato perdeu um precioso momento de vida.

Enéas Athanázio: escritor e jurista catarinense, uma das maiores autoridades do país sobre cultura indígena, colunista da revista Blumenau em Cadernos e do jornal Página 3, é autor de mais de cinquenta livros, entre eles Meu chão, O perto e o longe e O pó da estrada.

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