Luís Serguilha (foto acima), poeta argonauta, expande-se como explorador de enigmas espaciais avançando no seu registo como prospetor de subterrâneos linguísticos, submergindo no abismo oceânico. A sua escrita explora fissuras e avalanches sendo fruto de um permanente olhar vigilante, precursor de terrenos insondados, denunciadores da mutação existencial. O poeta desprovido de ego, mente espontânea e aberta, transformante invasor de amplitudes, acede à distensão do acontecer. Metamorfoseia-se com o mundo, distanciando-se do humano. Torna-se viajante e arqueólogo, mantendo sobre os espaços e tempos, um enxergar multidimensional, onde o surgimento de reentrâncias de ligação, provoca a interdependência entre o poeta e geografias díspares.  

A palavra para Serguilha tatua-se como veículo instigador de saltos quânticos, onde simbologias primitivas acenam, como hélices originadas por sinapses em conexões atemporais. Labirintos transformam-se num alastramento de fractais onde porventura se excede o tridimensional. A poesia de Serguilha vibra como singular hermenêutica do inconstante, sem coordenadas nem centro. Tuaregue, sinalizador de afluências e discrepâncias de universos alterados, é como leitor de hieróglifos, que elabora uma tentativa de assimilação da linguagem cósmica, de olhar fraturante sobre múltiplas direções. Captador de mundos invisíveis oscila numa tentativa de conhecer as suas possibilidades infinitas. 

O poema acontece como passadouro, numa escrita cujo tema recai sobre as conjunturas do mundo, num exercício de evasão do calabouço do corpo. A força triangular com outros olhares, cujos vértices dão pelo nome de terra, poema e corpo é agitada por cataclismos bárbaros, onde sofrem miscigenações, sendo que o enigma existencial é dirigido aos furores norteados pelo ilimitado e indefinido, lembrando o conceito de “Ápeiron” de Anaximandro.

Serguilha, o explorador de dimensões aquáticas, mergulha no espanto das memórias ontológicas, em reminiscências que absorvem a velocidade infinita, onde tudo se absorve e vomita. Este mergulhador de desvios e demências, poeta metamórfico desprende-se da linguagem, fazendo parte de um tempo indizível. Absorve sons inaudíveis escutando esquizofrenias, em que a submersão torna-se uma viagem às profundezas do volúvel, transmutando deformidades em renovamentos.

O poeta trespassado por eletromagnetismos, não tem limites na sua imprevisibilidade surfista. Como escafandrista funde-se com o mar, na dissolvência de fronteiras onde não há verdade nem construções, apenas durezas textuais. Poeta e incomensurabilidade desassossegam por entre o fluido, onde a inexistência de demarcações, sugere resvaladouros titânicos indeterminados. Imerge no transe, arriscando alcançar a balburdia linguística, nas correntes lávicas de babel. Aspira o incircunscrito, o esquecimento e a barbaridade cénica. 

O poeta expande-se deslizando por fendas espácio-temporais, onde se dão mutações incessantes, em analogia com o devir de Heráclito, filósofo pré-socrático. Assim, a existência e a arte religam-se aos processos cósmicos, à afetação e troca de energias, num cenário de roubo e miscigenação imperecível. 

Salientam-se três questões fundamentais na obra “Plantar rosas na barbárie” respetivamente de carater ontológico, do funcionamento de vontades, e da hermenêutica, apontando tais interrogações para o poder de contaminação subjacente à existência. A questão fundamental transversal ao longo do livro, de carater ontológico diz respeito ao funcionamento dos desdobramentos. Todo o tempo se torna presente num devir cosmológico onde afloram sinais panteístas em diversidade germinativa. Acontecem recomeços instintivos e regeneradores de conexões em anarquia. Uma teoria nova do tempo sugere que passado, presente e futuro coexistem em simultâneo no universo. Esta nova ideia defende que o tempo não avança sendo que todo o tempo é presente, que não seria um ponto no tempo mas uma condição temporal dispersa. 

O tempo é aqui-agora, onde os sinais panteístas afloram. Aqui e agora tudo alastra com instantes em atualização permanente repletos de metamorfoses magnéticas. Aqui e agora a mestiçagem dos recomeços instintivos na miscigenação dos corpos. Faz-se o aqui e agora como se o olhar se debruçasse pelo lado do avesso do mundo, com o uivo da estranheza qual tragédia grega antiga, denunciadora do incontrolável em que as catástrofes reaparecem regeneradoras. 

Dá-se a morte contínua de Deus por entre fissuras geológicas e migrações em embates ontológicos, conexões movediças e transmigrações. Acontecem enredos báquicos onde tudo se mutila em multidões serpenteantes numa exaltação dionisíaca, onde proliferam zonas contaminadas pela matéria e se anula a ideia de um único centro, vibrando potências e devires de experimentação. 

Em Serguilha, tal como em Heráclito, o mundo é um fluxo permanente em que nada permanece idêntico a si mesmo. Tudo se transforma numa luta entre os contrários, ou seja, do tornar-se, do vir-a-ser. Sucede um devir escatológico onde todos são afetados por todos. 

Uma outra temática refere-se ao acionar das vibrações, respeitantes às vontades impercetíveis. A conceção de vontade heterónoma aparece com Immanuel Kant, noção que faz depender de outros os desejos de cada um. Em Serguilha, as vontades acontecem num abismo e desmoronamento. Neste contexto são acionadas multidões insubordinadas, potências conquistadoras e afeções de tenções descentradas de eternos retornos em que a repetição é levada ao absurdo tal como em Sísifo, de Albert Camus. Há um acionar da ligação da antimatéria ao mundo material, detonando em contaminações, de corpos e memórias. Então o dizer abre-se às forças transformantes da natureza. Tudo sobrevém no vorticismo, na demolição e nos ritmos devorantes. 

Ana Maria Oliveira: premiada escritora portuguesa nascida no Alto Alentejo, licenciada em Filosofia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas de Lisboa, possui livros de poesia publicados e participou de coletâneas de escritores lusos; mantém alguns sites onde divulga a sua escrita; ultimamente está ligada ao projeto “Filosofia para crianças”.

E-mail: anafilo9@gmail.com