É dia de frases, e a fronte é distante e morna como a festa, e se, em certo instante eu retornar pelo caminho inverso e parar e disser uma palavra imotivada, se, no meu tom de voz houver uma fresta anterior a essa ideia de sono que elabora um ciclo que teria sido uma viagem redimida num lugar abundante, numa incerta altura o meio-tom melancólico de um não ir. A decisão de não falar até que outra arquitetura surja e se decante num sustentáculo mais inteiro. Que outro ano se finde e a fadiga não feneça no que há de vir quando se sabe do que é capaz a tragédia.

Uma ressalva para os vivos em que o exemplo é reflexo. Que o ser maior nos renda a fertilização, a sacralizada bebida desenterrada do pó e faça das jornadas a intocável substância de osmose, de plantações profícuas. Que nasça outro abecedário distanciado do que é triste para propagar-se em cada arranhão dos pontos estelares. Uma placidez para reaver as horas sem ferimentos, as lágrimas furtadas da complacência, dos pássaros luminosos. Tudo se redime em afeição e bom pressentimento. Penso no que tive e julguei meu e agora que o último inseto se recolhe deixo de existir enquanto minha obra me vela.  Talvez eu tenha escolhido a rua errada, a resposta, a confusão, a elaboração duvidosa e surreal – e se tudo não tivesse acontecido com tamanha adversidade para preservar a vida, prostrando-me impassível na escadaria das banalidades. Queria ser como Jesus e pôr em risco a própria sorte, sem desejar servir ou necessitar de servidão. Que sejam esmagados o fanatismo, o niilismo, a negatividade e os pretensos representantes da divindade. Borda-me, Deus, com a generosidade angustiante de um dossel inviolável. Que nada me seja treva ou círculo moribundo nem rasgo a dobrar-me as vértebras e que a linha me seja intacta e o bem orbite vivo como um coração afogueado em odes de afeto. Que se deslinde a suficiência do meu organismo vivo, a rebeldia dos predestinados. Que haja abrangência de revoadas longínquas ao meu estado de ave nômade. Que a contínua vigília me seja o hálito das manhãs, a respiração aromática da sabedoria, da eficaz marginalidade em que a harmonia, o pensar intensivo e a criatividade brotam isentos de todos os horrores.

Tere Tavares: escritora e artista visual, residente em Cascavel, PR, autora dos livros Flor Essência (2004), Meus Outros (2007), Entre as Águas (2011), A linguagem dos Pássaros (Ed Patuá 2014), Vozes & Recortes (Ed Penalux 2015), A licitude dos olhos (Ed Penalux 2016), Na ternura das horas (Ed. Assoeste 2017) Campos errantes (Ed. Penalux 2018), Folhas dos dias (Selo Ser MulherArte Editorial, 2020), Destinos desdobrados (Ed. Penalux, 2021) e Diário dos inícios ( Metanoia Editora, Selo Mundo Contemporâneo Edições, 2021) . Conta com publicações em antologias, jornais e sites literários nacionais e internacionais. Integra a Academia Cascavelense de Letras. Blog: http://m-eusoutros.blogspot.com/ Facebook: https://www.facebook.com/tere.tavares.1

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