Antes de deslumbrar o mundo de hollywood com obras como A Chegada e Blade Runner 2049, Dennis Villeneuve já fazia obras primas no começo de sua carreira no Canadá. Incêndios (em francês, Incendies), drama franco-canadense lançado em 2010 e indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, é a primeira grande demonstração do talento do diretor.
Na trama, acompanhamos a vida de Jeanne e Simon Marwan (gêmeos bivitelinos), que, após a morte de sua mãe, se reúnem para a leitura do testamento. Até aí tudo bem, porém, antes de terem direito aos bens deixados por sua mãe, eles devem procurar um irmão e um pai dos quais nunca antes ouviram falar e entregar-lhes uma carta deixada pela mesma.
Talvez você não se interesse de cara pela trama tão simples do filme, mas aqueles que decidem vê-lo enfrentarão uma belíssima montanha-russa de emoções ao longo da película. De início, apenas Jeanne decide ir atrás de seus familiares perdidos. E, para isso, ela viaja até o Líbano, onde estão as raízes da juventude de sua mãe.
A partir daí, a tensão e a qualidade do filme só aumentam. Somos colocados em duas linhas do tempo simultâneas: enquanto Jeanne desbrava o país de sua mãe, vemos flashbacks da vida – dura – de sua mãe na terra natal dela. Para começar, presenciamos o amor proibido de Nawal – mãe dos gêmeos – com alguém tratado pelos seus irmãos como infiel, um refugiado que provavelmente por questões bélicas é forçado a ir para o Líbano, que, coincidentemente ou não, também estava prestes a ter sua guerra civil. Vemos então os irmãos dela assassinarem o rapaz e, graças apenas aos apelos de sua avó, terminam por não a assassinarem também.
Algumas cenas depois, vemos a mulher dar luz a um filho fruto desse amor e dar-lhe em “adoção”, para garantir sua sobrevivência. Todos os momentos que seguem a vida de Nawal após este acontecimento são muito preciosos para serem apenas lidos, então prefiro voltar às questões técnicas e a importância de seu diretor.
Tanto em termos de roteiro quanto de atuação – Lubna Azabal tem uma atuação impecável –, somos presenteados com aquela qualidade que parece não existir mais na terra dos blockbusters e que só esse “cinema b” é capaz de produzir. A sua derrota no Oscar é algo que demonstra bem a injustiça presente em premiações desse tipo. Porém, o lado positivo é que ser indicado a esse prêmio trouxe a visibilidade que Dennis Villeneuve precisava para romper as barreiras cinematográficas de seu país natal.
Em qualquer filme dele, conseguiremos perceber seu primor técnico na arte de fazer cinema. E Incêndios não é um caso à parte, talvez eu seja parcial demais para julgar isso – ou simplesmente não seja apto o bastante –, todavia, para mim, este é um dos melhores filmes desta década e um dos mais particulares que já vi. Seu roteiro, uma adaptação da peça homônima escrita por Wadji Mouawad, é sensacional e demonstra bem a maior característica de um filme dirigido por Dennis Villeneuve: o final é um mero detalhe, a jornada até ele é a parte que realmente interessa.
Em determinado ponto da estória, teremos um final perfeito – trágico e perfeito para ser exato – mas o cineasta decide estender o filme um pouco mais, pois resumir toda sua obra em duas ou três cenas é pouco demais para este diretor. Com Villeneuve, vamos além da catarse que um “final fechado” traz para o ser humano: é uma experiência incômoda e pouco satisfatória que muitos tentam, mas poucos são capazes de causá-la.
Rodrigo Maracajá: radicado em João Pessoa, é um dos autores da novíssima geração, crítico de cinema, estudante de Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais, desbravador da literatura e apaixonado por música e HQs.
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