Quando leu meu artigo, em A União, no qual eu dizia que “A Bagaceira” era uma adaptação do “Hamlet”, Zé Américo me mandou um bilhete dizendo que meu estudo era “lapidar e profundo”, mas que não “pode ter havido influência. Os dramas humanos se repetem”. Macbeth, no final de sua shakespeariana tragédia, parece querer evitar isso, pois diz, referindo-se a Brutus: “Eu me matar com a própria espada, como o romano idiota?!” E isso lembra Horácio, no “Hamlet”, quando, ao contrário, disposto ao suicídio, avalia:

– Talvez eu seja mais um romano antigo que um dinamarquês.

Ariano, sucinto: “ Olinda, Princesa, 30: é tudo uma Troia só”.

Nesse espírito, meu romance SHAKE-UP – editora da UFPB 1997, nasceu desta pergunta que me fiz, dez anos depois de publicar ZÉ AMÉRICO FOI PRINCESO NO TRONO DA MONARQUIA:

– Onde estava o Secretário de Segurança da Parahyba, durante a gestação da morte de seu Presidente João Pessoa, que se processava na capital e no Recife? Abafando o levante contra seu chefe, lá na sertaneja Princesa. Isso – queira ou não queira – me remete a Macbeth, que lidera o combate aos rebeldes kernes e gallowglasses para, logo em seguida, assassinar Sua Majestade, que acabara de defender.

Hamlet, Macbeth e Brutus conspiram. Daí que criei um personagem paraibano que funde esses nomes: Américo Bruto, que – além do Brutus ( que conspirou contra César ) no sobrenome, contém – no nome completo – o m-c-b-t de “Macbeth” e o Am – de “Hamlet”.

ZÉ AMÉRICO FOI PRINCESO acabara me saindo seco feito uma tese. E era o que eu queria. Mas resolvi retomar o tema, passear por ele como Leopold Bloom na Dublin do “Ulisses” de Joyce, como a Virginia Woolf na Londres de “Mrs. Dalloway” : daí que terminei por transformar a cidade de João Pessoa – em 30 – na principal personagem do livro. Soltar as delirantes figuras shakespearianas pelo centro da capital da Paraíba, na véspera da morte do Presidente (como ocorre na de Júlio César em Roma), foi um grande pretexto para isso. A passeata da vitória sobre Princesa foi outro. O espectro em Elsinor, transportado para a fortaleza de Santa Catarina, em Cabedelo, foi mais um. A preparação para uma das três mortes que eu crio para o chefe de estado paraibano – essa, calcada na de César no Capitólio – foi o suficiente para a reconstituição da Praça Pedro Américo – o magnífico edifício que era dos Correios de um lado, o do Teatro Santa Roza do outro, o quartel da Polícia formando o terceiro lado do quadrilátero, a câmara dos deputados ( depois sede da polícia militar) o quarto.

OK.

Numa noite de 93 fui ao lançamento de “O Cerco da Memória”, do Sérgio de Castro Pinto, na Gamela, gostei da capa do livro, o poeta me disse “É do Silvano”, apresentando-me imediatamente o autor – Silvano Alves Bezerra da Silva. O artista gráfico, no entanto, era, também, do Conselho Editorial e Vice-Diretor da Editora Universitária – que produzira o volume. Disse-me ele, então, que soubera de meu romance inédito, e se ofereceu para publicá-lo pela UFPb. No dia seguinte lhe entreguei os originais e, … uns seis, sete meses depois, fui à Universidade, atrás de notícias que não aconteciam, quando fiquei sabendo que meu “padrinho” se fora para o Maranhão. José David Campos Fernandes – o novo diretor , me disse que precisaria do texto de alguém como Antonio Barreto Neto, que avalizasse a obra. Barretinho, como diz Sílvio Osias, “foi um dos grandes jornalistas da Paraíba e nosso melhor crítico de cinema”. Eu lhe devia muito: em 74, ao ler os originais de meu primeiro romance, “Israel Rêmora”, fora curto e grosso ao comentá-lo: “Há num novo concurso literário no Brasil, o Prêmio Fernando Chinaglia. Mande o livro pra lá. Se você não ganhar, não acredito, mais, em concursos literários neste país”. Ganhei.

Consegui que ele fizesse o posfácio de “Shake-up”, no qual disse:

– Quem negará que os trágicos acontecimentos de 30 na Paraíba – os chamados 70 dias delirantes – não foram desencadeados pelos conflitos políticos entre as poderosas famílias Pessoa, Suassuna, Dantas e Pereira? Da mesma forma, quem negará que o ´enredo´ dos fatos que culminaram com o assassinato do presidente João Pessoa não se enquadram no modelo clássico das grandes tragédias do palco? Foi o que Solha ´sacou´, depois de mergulhar como um escafandrista na caudalosa literatura (historiográfica, memorialística, analítica e ficcional) sobre os antecedentes e as consequências da Revolução de 30 na Paraíba.

E termina:

– Shake-up é uma espécie de “psicanálise” da Paraíba de 30 num vertiginoso thriller de imagens delirantes de alta intensidade dramática. É preciso ter em mente uma tela de cinema para visualizar toda riqueza plástica e dinamismo de sua fantástica narrativa.

Mas lá se foi mais um ano e… nada. Voltei à editora e encontrei um interino em seu comando – Everaldo Vasconcelos, que – três anos depois – escreveria e montaria o “Auto de Deus” – grande espetáculo ao ar livre para a semana santa, do qual eu iria ser Pilatos por três anos. Everaldo mandou fazer uma busca nos arquivos da entidade, e demos com o “Shake-up” embrulhado do jeito que eu o deixará lá, anos antes. Ele, então, deu ordem de que o livro fosse imediatamente editado… e foi como o vi pronto… e lançado com mais outros doze ou treze livros numa noite só, em 1997. Retorno? O posfácio do Antonio Barreto Neto, uma resenha do Hildeberto Barbosa Filho, na imprensa, o Carlos Dowling me falando em filmá-lo, anos atrás. The rest, silence.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com