Observe a foto acima, com “A Vista de Naarden”, de Jacob van Ruisdael. Eu a vi pela primeira vez quando, já bem perto do museu do Prado, Madri, 1994, atraiu-me, no Thyssen-Borniemisza, o título da mostra “El Siglo de Oro del Paisaje Holandés”. Rembrandt, Frans Hals e Vermeer viveram cercados de geniais criadores de naturezas-mortas, marinhas e paisagistas. E estes, em particular, sempre me fascinaram porque, como o nome diz, os Países Baixos não têm cadeias de montanhas tipo Alpes e Pirineus, nem – consequentemente – grandes lagos. Em que esses artistas supremos se pegaram? Nas nuvens! Veja as que preenchem 60% desta tela… e seus estupendos efeitos na planície, com belíssimos contrastes de chiaroscuro, grandes spots de luz em áreas comuns que se tornam deslumbrantes com os enormes clarões. Tamanho do quadro? 35 X 67 CENTÍMETROS!

A Espanha é rica em obras enormes, que sideram turistas de todas as partes do mundo. “O Enterro do Conde de Orgaz” e o “Espólio”, ambos de El Greco, em Toledo, são de nos deixar sem fala. Como o “Las Meninas” de Velásquez, no Prado. Mas tudo tem seu tempo certo , como diz o Eclesiastes. Defina-se “perfeição”. É o resultado da capacidade, do artista, de se sair genialmente bem do problema estético que lhe foi proposto ou que ele mesmo se impôs.

Há o momento de se ouvir a majestosa “Tocata e Fuga em Ré”, de Bach, para gigantescos órgãos, como há os instantes mágicos das pequenas peças para piano, de Satie, como suas Gymnopédies e Gnossiennes. Ante o outdoor com vários emes da logomarca do Mcdonald´s fazendo Mmmmm, só pude dizer “Putz!” Mas a interjeição foi a mesma quando vi a marca de uma revista que jamais foi publicada – Mother & Child -, em que o & está inserido no “o” de Mother – feito um feto. Quando perguntaram a Borges por que não se dedicara ao romance, mas aos contos, disse que “uno puede verlo como un todo”. Trabalhava com isso. 

Sérgio de Castro Pinto pertence à classe dos joalheiros. Sua profissão de fé é a mesma de Bilac, pois também “No verso de ouro engasta a rima,/ como um rubim”. Decidiu-se a ocupar menos espaço do que Ruisdael, menos tempo do que Satie, pra compor pequenas maravilhas como quando diz sobre a girafa que ela “é top model / é audrey hepburn”. Nesse mister, pinça associações ainda mais precisas, em que vê as cigarras como “guitarras trágicas” que “gargarejam/ vidros/ moídos.” E o que posso dizer quando leio “dou duas voltas/ na chave/ e trancafio/ a paisagem/ lá fora”?

“Astúcia verbal”, Fábio Lucas vê no nosso poeta. Sérgio aprendeu isso no tempo da ditadura. Lembro-me de que, ao me encomendar o texto teatral “O Vermelho e o Branco”, em 68, Ariosvaldo Coqueijo me pediu – por causa da censura – que fosse o mais enxuto possível. A que apegar-se, no caso, a que nuvens? Ao subentendido, às meias verdades, à…poesia. Sérgio fez coisas semelhantes tão bem, que alguns de seus poemas hoje são tão citados na Paraíba quanto os de Augusto dos Anjos:

– “O medo/ se aloja na medula/ como um cubo/ de gelo.”

– “A carta branca do montilla/ não era de alforria./ o papagaio era calado/ o cuba-libre nos prendia.”

Pode, um poeta de tal país, dormir em paz? 

– “Nas fronhas da infância/ ensaquei meus sonhos/ hoje, ensaco pesadelos”,

– “Nenhuma ovelha/ pula a cerca/ de minha insônia”.

Astúcia e concisão. 

Como se vê, os poemas dele são, realmente, como disse Cascudo, “claros, ágeis, nítidos,… suficientes.” Porque ele,como Ruisdael, tem a chave do tamanho.

(O texto original, maior, faz parte de SOBRE 50 LIVROS (BRASILEIROS/CONTEMPORÂNEOS) QUE EU GOSTARIA DE TER ASSINADO. Ideia, 2012.)

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com