A violência (do latim vis: força física, potência) descaracteriza o humano, dado que o sujeito perde sua condição de eu projetivo, pensante e senciente e passa a ser reativo objeto de outrem e, como tal, sujeitável, suscetível, manipulável…
O mundo ‘civilizado’ vem sofrendo a doença letal da desumanização. Disseminada por grupos ou indivíduos violentos, cuja relação com o diferente é buscada pela voz da agressão e do ódio, apresenta-nos saturação e incapacidades: a dos Estados e seus respectivos governos e a de nossas formas atuais de cidadania, que ao invés de fortalecer uma relação direta com o outro (sujeito-sujeito), tem estabelecido, apenas, uma relação social (sujeito-objeto), espaço onde o poder tem se expressado somente pela brutalidade daquele que, no momento, está barbarizando mais.
Quando se diz violência, significa que, através de alguma força física ativa, que não a argumentativo-reflexiva, impõe-se primeiramente a outro, um ponto-de-vista que é glamourizado e vendido pela mídia corporativa, pelo nome revisitado de opinião pessoal. A opinião, por si só, não é dialógica, na maioria das vezes, pelo contrário, ela é império de força, travestida de informação. Confundida com conhecimento ela é colhida sem critério, sem método e sem crítica, passando a ser crença ativada em mim, a partir de mim, para comigo mesmo. A opinião é um falar sozinho na pluralidade de vozes e ouvidos da existência.
O outro, que vive sob um rótulo social que o colocaram e eu acreditei, se tornou a extensão daquilo que, violentado por mim, exijo que ele seja: um mocinho (que me defende) ou um bandido (que me ataca). Eu sou o muro, a indiferença, o que não se percebe enquanto outro… Sou apenas o mensageiro, como dizem…
A violência, pois, começa pela perda ou esquecimento dos traços constituintes da radical identidade humana: Ser–Sentir-Refletir.
Pensar e sentir reflexivamente seria uma parte da saída do estado de menoridade no qual nos encontramos… Só uma parte… Vamos à análise de contexto…
A violência social aparece então, em princípio, como uma (des)ordem eleita pela demanda do mercado. A força bruta é o pão e o circo de nossa nova Roma. O que seria, por exemplo, do princípio da propriedade privada, se não houvesse os mais diversos atentados dos ‘cidadãos do mal’ aos ‘cidadãos de bem’ que, por sinal, moram e vivem bem e são muito bons? O que seria, por exemplo, das empresas armamentistas, que passaram a assegurar o espírito de soberania das nações, se não houvessem as guerras espalhadas pelo mundo? O que seria das ideologias se não fossem os conflitos fratricidas cotidianos? Resposta: falta de lucro, déficit, perda de poderes e mandos… E eis que o ciclo está posto!
Na ordem do dia, se inscreve nas consciências um novo apelo: Ser-Sentir-Refletir faz mal à saúde!
Transformamo-nos numa colônia que, como insetos, produz instintivamente produtos personalizados que devotam sua serventia à bruta utilidade comercial. A violência é lucrativa, e o lucro é o árduo caminho de onde virá o céu hipotecado a cada partícipe da ordem estabelecida. O lucro é a marca dessa estranha Organização Criminosa, mãe de qualquer outra, seja qual for a sigla, seja qual “boa nova” trouxer.
Então, relanço uma indagação à romana que não se deixa acomodar: “A César o que é de César, a Deus o que é de Deus!”
Mas… Qual César? Qual Deus? Qual eu?!
Diego Almeida Monsalvo: professor, mestre em educação, escritor e poeta radicado em Santos, publicou, dentre outras obras, ‘Dissecando o líder’ e ‘Filosofia Urgente’ além de artigos de divulgação da Filosofia e Educação.
E-mail: prof.monsalvo@gmail.com