Isso vem a propósito do que acabo de ler na Wikipédia:

– Esdras do Nascimento (Teresina, 8 de fevereiro de 1934 — Rio de Janeiro, 11 de setembro de 2015) foi um escritor brasileiro. Passou infância e adolescência em Fortaleza e Natal. Viveu depois em Crato, Porto Alegre, Santa Maria, Rio e Brasília…

E isto:

– Viveu dez anos no exterior, em cidades como Amsterdã, Londres e Nova York.

Faltou acrescentar:

– … trabalhando em agências do Banco do Brasil.

Chegou a me fazer personagem de seu último romance – “Lábios Africanos – Opus 17”, publicado postumamente, misturando verdades a meu respeito com pura ficção, botando-me – por exemplo – como autor de Relato de Prócula, o que realmente sou, e… galã de uma telenovela, além de campeão de automobilismo e… de tiro. Talvez Amsterdã, Londres e Nova York – sem o BB – fosse algo equivalente em seu currículo. Em nossa constante troca de e-mails, dizia-me não tolerar que eu “perdesse tempo fazendo crítica literária, ensaios e poesia. Só o romance importa! E – completava, indignado – você fica dizendo o tempo todo que é aposentado do Banco do Brasil. Acabe com isso!”

Além do Esdras, sempre me correspondi com outros dois colegas do BB que são escritores importantes – o amazonense Carlos Trigueiro ( Madri, Macau, Roma e Chicago) e o mineiro Ivo Barroso ( Holanda, Portugal, Suécia e França ). Ambos com bela vivência internacional, a que o Ivo deve – evidentemente – seu denso trabalho de tradutor, num leque abrangendo – entre outros – de Herman Hesse a Umberto Eco, de Jane Austen a Perec, Kazantzakis e Rimbaud, enquanto eu – noutra linha de intenso e maravilhoso aprendizado – dava duro na contrastante carteira agrícola da agência de Pombal, alto sertão paraibano.

Foi o bancário que bancou o painel “Homenagem a Shakespeare”, de 21 m² , que está lá, no auditório da reitoria, e que o doou à UFPB e foi o bancário que entrou como sócio majoritário na produção do primeiro longa paraibano, “O Salário da Morte”. Por outro lado, foi o departamento de pessoal do Banco do Brasil, no Distrito Federal, que financiou a montagem de minha peça “A Verdadeira Estória de Jesus”, em 88. O mecenas Waldemar José cresceu em importância a partir do momento em que o Affonso Romano de Sant´Anna disse, depois de apoiar meu primeiro poema longo, “Trigal com Corvos”, em 2004, que eu não iria encontrar editor para ele – e não encontrei. Contratei a Imprell, local. Para o romance “Arkáditch”, além dos poemas longos “Marco do Mundo” e “Esse é o Homem”, bem como para o volume de resenhas, “Sobre 50 Livros brasileiros contemporâneos que eu gostaria de ter assinado” – contratei a Ideia, também paraibana. Nesse meio tempo, o bancário fechou negócio com a Penalux, de Guarulhos, para as poesias curtas de “DeuS e outros quarenta PrOblEMAS”, para o “rimance” “A Engenhosa Tragédia de Dulcineia e Trancoso” e para “Vida Aberta”. Apesar do “desprezo” do Esdras pela minha poesia, “Trigal com Corvos” foi premiado pela União Brasileira de Escritores – do Rio, em 2005 e “Vida Aberta” foi um dos cinco finalistas de poesia do último Jabuti. E aí vem o “1/6 de Laranjas Mecânicas, Bananas de Dinamite”, gestado pela paraibana Arribaçã – de Linaldo Guedes.

Ou seja: sem o funcionário do BB – Waldemar José -, nada de W. J. E foi ele que me deu o prazer complementar de distribuir de graça, a quem se interessar pudesse , por eles, todos esses livros, pois – introvertido – não tenho jeito para noites de autógrafos locais e, ainda menos, estatais e, menos ainda, nacionais – e nem pensar nas internacionais.

Por isso eu disse, outro dia, que trabalhei no banco exatamente como o apóstolo das epístolas fabricava tendas. Para ser independente. E fui. Claro que tive de compensar as oito horas de expediente bancário com literatura noturna ou, nos últimos dez anos da carreira, suprimindo as duas horas do almoço. Mas paixão é assim.

Jamais um superior me barrou nada. Em Pombal, o gerente me disse que não ficava bem a barba crescida num subgerente, ainda mais pra fazer teatro, mas pedi que me mostrasse onde isso estava escrito, não havia, fiz o papel do universitário rebelde, na peça “O Vermelho e o Branco”, sobre a morte do estudante Édson Luís, ocorrida dois meses antes, no Rio. Em 1978, Dom José Maria Pires divulgou a “Cantata pra Alagamar” – minha e do maestro Kaplan – como “parte da liturgia da Igreja” – pra que escapássemos da censura do regime militar, e ninguém, na agência centro de João Pessoa, onde, então, eu trabalhava, tocou no assunto.

Ao colega do BB em Pombal, José Bezerra Filho, devo o empurrão inicial para fazer literatura e, depois, dar uma de ator, em “O Salário da Morte”. Ao colega do BB em Pombal, Ariosvaldo Coqueijo, devo a ideia e a montagem de “O Vermelho e o Branco”. Ao colega Marcus Aguiar, de João Pessoa, devo a sugestão de escrever “Israel Rêmora”, ao me dizer que se eu botasse num livro aquelas histórias pombalenses que costumava contar, compraria o volume. A outro, Everaldo Dantas da Nóbrega, devo a indicação – ante minha visível angústia ao entrar na meia idade – da leitura de “Passagens – crises previsíveis da vida adulta” – que foi ponto de partida para meu romance “A Batalha de Oliveiros”, prêmio INL 88.

Houve um dia em que a indignidade – que abunda em Brasília e que para todo o país transborda – fez com que meu chefe, no terceiro andar da agência centro local do BB, me dissesse que o gerente lhe dissera que eu deveria refazer o estudo de uma grande operação com uma usina de açúcar e álcool, a que eu dera parecer negativo. “Não, chefe. Ele, se quiser, que faça isso.” “Mas o gerente recebeu ordem de Brasília para a operação”. “Então que Brasília assuma que é para jogar essa fortuna fora. Eu não vou mudar isso de modo algum”. E vi o coitado ir a seu birô e datilografar um parecer favorável… que lhe valeu, dois ou três meses depois, os berros de um inspetor.

Não sei as razões que levaram Esdras do Nascimento a omitir o BB em sua biografia. Eu não tenho nenhuma.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com