Um dos quadros mais célebres de Dali é A Persistência da Memória – aquele dos relógios moles. Por isso me servi dele no quadro que ilustra este texto, em que sua paleta amolece e os pinceis… broxam. A ideia me veio ao ler A Era dos Extremos, de Hobsbawm , e Arte Moderna, de Argan.

Hobsbawn viveu 95 anos, morreu em 2012. Ateve-se ao século XX, mas poderia adiar o fim dA Era dos Extremos para incluir o massacre que foi a Guerra do Golfo, o atentado ao World Trade Center, a retaliação absurda dos Estados Unidos “aos terroristas” do Afeganistão, aos do Iraque em 2003. E houve a primeira guerra da Chechênia, de 94 a 96, seguida da segunda, violentíssima, que começou em 99. Houve as duas terríveis guerras de Kosovo, em 96 e 99, houve – em 2008-2009 – a crise do crédito que colocou em risco a economia de vários países, principalmente a dos desenvolvidos… Mas tudo bem.

Hobsbawm diz que da metade do século XX pra cá não apareceu, no campo das artes plásticas, nenhum nome do porte dos de Picasso e Matisse, o mesmo ocorrendo na literatura, que teve Cem Anos de Solidão – de 1967 – como última obra de consenso universal.
O Homem teria perdido o brilho?

Não: mudara de ramo. Daí a estação orbital de meu quadro, clara razão do pavor de meu Dali.

Em 1910 – diz A Era dos Extremos – todos os físicos e químicos alemães e britânicos juntos não chegavam a oito mil. No final dos anos 80, os cientistas e engenheiros empenhados em pesquisa e desenvolvimento experimental no mundo somavam cinco milhões!

Giulio Carlo Argan percebeu que algo notável acontecia já em 1970, quando escreveu o monumental Arte Moderna. E me parece que você pode confirmar isso conferindo estas pérolas que colhi ao longo de seu volume de 680 páginas tamanho família:

– A arte teve um princípio e pode ter um fim histórico. Tal como as mitologias pagãs, a alquimia, o feudalismo, o artesanato são finitos, a arte pode acabar. Mas ao paganismo sucedeu-se o cristianismo, à alquimia a ciência; ao feudalismo as monarquias e, depois, o Estado burguês, ao artesanato a indústria: o que pode suceder à arte?

– Desde a Bauhaus muitos artistas se mostram prontos a aceitar um novo serviço social, de menor prestígio. Entenderam que o artista-gênio agora é inatual, como o poeta-vate; e que, para se reinserir na sociedade, deve aceitar o sacrifício de seu individualismo absoluto.
Daí tanto esmerado abajur e jarro.

E o futuro?

– A arte passará para a dimensão do inconsciente, em que poderá ser um profundo modo de agir.

Como assim?

– Nada de quadros, estátuas, palácios, objetos preciosos, e sim grandes soluções urbanísticas, unidades habitacionais, objetos de uso cotidiano, a fotografia, a publicidade, o rádio e a televisão, o cartaz, o videoteipe.

Em meu romance “Arkáditch”, uma de minhas personagens abandona o cello e volta da Espanha – onde é concertista – pra João Pessoa, pra bela casa de seus pais burgueses na praia de Cabo Branco, porque não vê, mais, sentido na arte. Num certo momento explica:

– Sabe todos aqueles quadros de Vermeer que sempre retratam mulheres nos interiores de suas casas holandesas do século XVII, tão limpas quanto luminosas? As grandes artistas eram elas.

Não vejo as coisas assim.

Morreram Matisse, Picasso e Garbriel García Márquez, mas o cinema – por exemplo – cresceu, cada vez mais apoiado pela ciência e tecnologia, produzindo inegáveis obras-primas, como as de Kubrick, caso de Laranja Mecânica e 2001. Claro que ficou difícil criar romances depois de autores tipo Tólstoi e Dostoiévsky, Proust e Hemingway – Virginia Woolf e… James Joyce. Talvez por isso eu tenha derivado – depois de décadas nesse gênero – para a essência da coisa toda, que é a Poesia, e estou vendo que não é fácil, depois de tudo que se fez – de Homero ao movimento Dada – mas SEI que ainda resta muito a ser feito, em termos de conteúdo e forma, por isso não paro de trabalhar.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com