A trilogia O Senhor dos Anéis custou 280 milhões de dólares. Avatar, QUINHENTOS milhões.

Dinheiro. Meios.

Atrás disso emigraram da Paraíba o Bráulio Tavares, o Assis Chateaubriand, Zé Ramalho, o maestro José Siqueira, o Tomás Santa Rosa, Ivan Freitas, Chico César, Raul Córdula, João Câmara, Sérgio Lucena, Antonio Dias, Zé Lins, Pedro Américo, Aurélio de Figueiredo, João Lobo, Paulo Bezerra, Walter e Vladimir Carvalho, Zé Dumont, Luiz Carlos Vasconcelos, etc. etc. etc.
Atrás disso arribaram da Espanha, no começo do século XX, artistas do porte de Picasso, Miró, Dali, Buñuel e Lorca, quando Paris era o centro mundial das artes. Atrás disso, durante a Renascença, Leonardo saiu de seu povoado, Vinci; Rafael largou Urbino; Miguelângelo se mandou de Caprese. Atrás disso Shakespeare abandonou Stratford-upon-Avon, rumo a Londres.

Tem gente que não corre atrás. Almeida Júnior foi um caso desse. Matuto de Itu – Região Metropolitana de Sorocaba, a cem quilômetros de São Paulo – adquiriu prestígio pintado quadros com caipiras e paisagens do interior paulista. Um belo dia recebeu a visita de Pedro II que, impressionado , deu-lhe uma bolsa de estudos em Paris.

De um modo ou de outro, as grandes viradas na História da Arte se deram, quase todas, de uma associação feliz de capital e trabalho, ou de Poder e Gênio. O primeiro exemplo de que me lembro, ocorreu cerca de 1350 anos antes da era cristã. A Arte egípcia vivia de uma tradição altamente estilizada, quando se deu a estupenda revolução religiosa do faraó Akhenáton, que botou a santíssima trindade Hórus-Ísis-Osíris no lixo e fundou uma fé monoteísta no Sol. A radicalização transbordou pra Arte. A escultura de repente… acordou, passando a nos deixar, por exemplo, o registro fiel, realista, da feiura do soberano – bem parecido com Caetano Veloso quando jovem -, e da contrastante beleza e elegância de sua mulher Nefertiti, conforme várias peças encontradas na oficina de seu escultor Djehutuymes, que alguns chamavam de Tutmés. Já da paixão de outra rainha do Nilo – Hatshepsut – pelo escultor e arquiteto Senmut, surgiu uma das mais ousadas e criativas incorporações da natureza numa obra arquitetônica de vulto, o palácio-túmulo, dela, que assumiu, em sua concepção majestosa, a gigantesca falésia que há por trás do edifício, o conjunto ganhando imediata celebridade como Djeser-Djeseru (“A maravilha das maravilhas”).

Em Atenas, o aproveitamento arquitetônico foi o da parte alta da cidade – a acrópole – na construção, sobre ela, de um complexo de templos notáveis em que se destaca o Pártenon, pelo uso da seção áurea ( ou número de ouro ) na sua concepção, o que lhe garantiu uma proporcionalidade estupenda, obra dos arquitetos Ictinos e Calícrates, mais o engenheiro e escultor Fídias. Atenas, nesse tempo, era repleta de homens notáveis na filosofia, teatro, arquitetura, escultura e poesia, em grande parte graças a seu grande administrador, que deu nome à época de O Século de Péricles. Pense na emoção que tive ao entrar, em 2008, na parte mais importante do Museu Britânico, em Londres, que consiste num salão enorme com as paredes tomadas pelo extenso e maravilhoso Friso dos Cavaleiros, em relevo de mármore, que Lord Elgin recolheu das ruínas do Pártenon, no começo do século XIX, quando ninguém dava a mínima para o que havia lá. Meu deus: do mesmo modo como nós nos deslumbramos com Avatar e O Senhor dos Anéis, imagino-me no meio da multidão ateniense na inauguração daquele grupo de edifícios, há dois mil e quinhentos anos, daquele templo com o enorme, muito vivo e dinâmico Friso dos Cavaleiros dando a volta em todo o seu recinto!

Outra grande virada grega viria um século mais tarde, com outro belo consórcio Poder & Arte: o de Alexandre o Grande e seu escultor Lisipo, que quebrou a tradição da Arte vigente – essencialmente preocupada com a sobre-humana perfeição dos deuses -, criando um estilo realista, calcado no que se via em volta. Um detalhe genial: ao esculpir Marte ( depois chamado Ares Ludovisi ) Lisipo representou-o sentado, as mãos apoiadas num dos joelhos, revolucionando ainda mais a escultura, ao incorporar, nela, o inédito vazio entre os braços e o corpo.

Em Roma, o primeiro grande patrocinador das artes foi o imperador César Augusto. Através de Caio Mecenas – nobre riquíssimo e muito culto -, deu cobertura principalmente a poetas – como Propércio, Horácio e Virgílio – mas sua mão se estendeu sobre as outras atividades nobres, que patrocinou em todo o mundo. Em Pompéia houve, por exemplo, o impacto de duas obras em suportes diferentes, financiadas por ele: o mosaico em que se representa a enorme cena da batalha de Dario e Alexandre em Isso, e o vasto afresco retratando as cerimônias religiosas dos então chamados Mistérios.

Somente na Idade Média surge outro grande incentivador da Arte: a Igreja. Disso proveio a insuperável beleza das catedrais góticas que, em sua enorme novidade arquitetônica – toda de janelas, sem espaço para pinturas – acrescentou um outro suporte para os artistas plásticos: vitrais.

Mas o tempo – e a imposição religiosa – acabaram por criar nova época de estilização na Arte. Para evitar toda vinculação à carne e suas misérias, a Natureza foi eliminada nas representações dos santos. Justamente ao dar fim a isso, o Renascimento, que veio em seguida, foi uma revolução artística equivalente à dos tempos de Akhenáton e Alexandre. Causa: Francisco de Assis, que um belo dia irrompeu cantando, com intenso amor à vida:
– Louvado sejas, meu Senhor com todas as tuas criaturas,
especialmente pelo senhor irmão Sol!
Assim, quando Giotto foi contratado pra fazer os murais da igreja erigida em memória dele, viu-se obrigado a quebrar as rigorosas regras artísticas vigentes, de figuras chapadas contra fundos dourados, e encheu as paredes de imagens de pássaros e árvores.

Mas a Renascença floresceu não só do intenso patrocínio da Igreja. Aflorou, também, graças ao apoio substancial de príncipes cultos e riquíssimos, como Lourenço de Médici, em Florença, e Francisco Sforza, em Milão . Os dois eram magnatas políticos que viviam cercados de poetas, filósofos e artistas. Daí que a matemática proveniente da Grécia Clássica domina e controla a arte de tal modo, na época, que Leonardo não apenas ilustra o livro De Divina Proportione (Sobre a Divina Proporção), de Fra Luca Paccioli, como adota o número de ouro (ou seção áurea) – já utilizado no Pártenon – para a obtenção do equilíbrio perfeito de seus quadros. Surge, ainda, triunfalmente, a perspectiva, graças ao arquiteto Brunelleschi.

W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.

E-mail: waldemarsolha@gmail.com