– Você já tentou ver o outro lado do vazio, tio? – perguntou a menina quase adolescente ao homem cansado, prostrado em sua poltrona de escritório.
– Que vazio? O vazio não tem outro lado! – respondeu o homem fatigado, observando a avenida abarrotada de nervosos automóveis, do alto do imenso arranha-céu.
– O homem é o lobo do homem? Li isso numa revista, lá no consultório médico.
– Sei lá. Pode ser. Qual o sentido dessas perguntas?
– Se o homem é o lobo do homem, o vazio tem um outro lado, mas estão nos enganando o tempo todo, dizendo que o vazio não tem um outro lado.
– Se o vazio é, como seu próprio nome diz, vazio, logo não tem um outro lado, Maria. Não tem lado algum!
– Que quer dizer “como seu próprio nome diz”? Um nome é só um nome, e o vazio pode não ser vazio, ora!
– Vamos parar com isso. Precisamos aterrissar e voltar ao planeta Terra, ok? Um nome é só um nome, e uma vaca pode não ser uma vaca, ora!
– Isso mesmo! Você agora captou o que eu queria dizer! O vazio pode não ser vazio, uma vaca pode não ser uma vaca… Por que você se nega a pensar, refletir?
– Tudo bem, Maria, qual o outro lado do vazio?
– Não sei, é o que estou lhe perguntando.
– E se nunca pudermos responder a essa questão?
– Não haverá mais vazio, se nunca pudermos ter a resposta.
– Como assim? Você agora me deixou completamente confuso!
– A chave de tudo é continuar tentando, mesmo que não dê em nada a tentativa, mesmo que não possamos obter a resposta.
– …
– Se, logo de cara, nos contentamos em saber que o vazio é vazio, que estamos fazendo aqui?
Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.
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