Quando eu trabalhava com publicidade, colecionava comerciais impressos. Um deles – dos anos 80 ou começo dos 90, me chamou especial atenção: o da nova Olivetti – quase, já, computador – , em que a chamada, que era a pergunta acima, vinha com os retratos que ilustram este texto. Resposta: software. Daí que os gênios superam os demais seres humanos porque são excepcionalmente capazes de magníficas associações de ideias. Claro: Freud (foto acima) foi buscar uma de suas principais sacadas sobre a família no grande clássico do teatro grego, o “Édipo Rei”, de Sófocles. Einstein (na mesma foto acima) juntou duas teorias aparentemente irreconciliáveis: a da luz expandindo-se como ondas – conforme Maxwell, e como corpúsculos – segundo Planck. Leonardo (foto abaixo) fez dissecações em cadáveres, proibidas na época, pra melhor pintar, e “a divina proporção” de sua arte deve muito ao conhecimento de matemática que ele possuía. OK.
Tintoretto juntou as cores de Ticiano com as figuras em forma de chamas de El Greco pra criar seu poderosíssimo estilo. Newton dizia que vira mais longe porque subira em ombros de gigantes como Kepler, Galileu e Ticho Brahe. Tinhorão revela que “Águas de Março”, de Jobim, deve muito ao “Águas do Céu”, da compositora Inara, e a um ponto de macumba que diz, mais ou menos, “é pau, é pedra, é seixo miúdo/ roda baiana por cima de tudo”. A filosofia de Sócrates teria partido de uma frase que havia no templo de Apolo: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”.
E já que é assim, lá vai:
Mal comparando, meu romance “A Canga” existe porque fui chefe da carteira agrícola da agência do Banco do Brasil em Pombal, no alto sertão paraibano, durante quatro anos. “A Verdadeira Estória de Jesus” surgiu da leitura dos “Diálogos” de Platão associada a um conhecimento visceral dos evangelhos de tanto ouvir passagens bíblicas narradas por meu pai, que era da Sociedade São Vicente de Paula, quando eu era menino. Aí de repente salto para o romanceamento do “Hamlet”, que inseri em minha “História Universal da Angústia”, por que… fiz curso de contabilidade, o que me valeu não só a aprovação no concurso do Banco do Brasil, como uma visão curiosa das obras de arte clássicas, como as do Bardo, simplesmente porque o matemático Luca Pacioli não só criara as chamadas Partidas Dobradas – utilizadas por empresas de todo o mundo para controlar seus débitos e créditos, ativos e passivos, até hoje – como um livro intitulado “Sobre a Divina Proporção”, ilustrado por Da Vinci ,com cálculos em que se haviam baseado os construtores do Partenon, em Atenas; Virgílio, na “Eneida”; o próprio Leonardo na “Última Ceia” e “Mona Lisa”; Eisenstein usaria no filme “Couraçado Potenquim”; além dos pintores do grupo “Section d´Or”, composto de Duchamp, Gleizes, Juan Gris, Fernand Léger, Francis Picabia e outros.
Foi como acho que descobri a razão de o Príncipe da Dinamarca – até então “inexplicavelmente”, apesar de Ernest Jones e seu “Hamlet e o Complexo de Édipo” – protelar a vingança que prometera ao pai corneado, esbulhado e assassinado pelo próprio irmão. Acontece que em 1600 Shakespeare escrevera e montara “Júlio César” e aprendera a lição. Como a seção dourada (ou áurea) determina que toda obra de arte deve evoluir num sentido, parar numa cesura e repetir tudo na segunda parte, mas em sentido contrário (como débito e crédito) , vê-se claramente que toda a primeira metade do espetáculo transcorre com o grupo liderado por Brutus e Cassius fazendo o complô pra assassinar César, o que acontece no terceiro, dos cinco atos clássicos, ou seja; no segundo ato e meio, e aí Marco Antonio faz seu célebre discurso e transforma a multidão a favor dos assassinos numa horda que, de repente, quer justiça para o morto. Brutus e Cassius passam, então, de caçadores a caças. Aí se deu que, no ano seguinte, 1601, Shakespeare, ao escrever o “Hamlet”, sacou que se outra vez matasse o grande vilão na metade da peça, perderia – mais uma vez – grande parte do público para o restante do espetáculo. Então, em vez de assassinar o tio, Hamlet mata – “por engano” – Polonius, justamente o sujeito que acabara de declarar que fizera o papel de César, na universidade, sendo assassinado por Brutus no Capitólio. Coincidência? Não: uma pista e uma brincadeira com os analistas de seus textos.
W. J. Solha: romancista, poeta e ensaísta paulista radicado na Paraíba, é também dramaturgo, ator, artista plástico e publicitário, com vários livros publicados e premiados, transitando em várias frentes de nossa cultura; um artista "multimídia" por excelência.
E-mail: waldemarsolha@gmail.com