Creio que Gilberto Freyre (1900/1987) foi o sociólogo mais conhecido e ativo do país. Desde muito cedo me acostumei a vê-lo em ação, viajando, proferindo conferências, debatendo, participando. Não o conheci em pessoa, embora trocássemos algumas cartas sobre autores cujas obras comentei. Parece que um certo temor provinciano de encarar o mestre consagrado em todo o mundo me inibiu de visitá-lo. Quando me decidi já era tarde. Conheci, porém, sua viúva, D. Madalena, que Jandira e eu visitamos no Solar de Apipucos, em cuja companhia passamos uma tarde. Ela foi muito gentil e nos recebeu com alegria, oferecendo-me o último livro por ele publicado.

Gilberto Freyre foi autor de uma obra vasta e significativa, destacando-se como seu carro-chefe o monumental livro “Casa Grande & Senzala”, conhecido e louvado em todo o mundo e que realizou a primeira tentativa de uma interpretação do Brasil. É um brado contra o racismo, em especial contra o negro, que todo brasileiro deveria conhecer e evidencia o absurdo do preconceito que vem crescendo entre nós. Dentre os numerosos estudos sobre a obra de Freyre merece referência o livro “Gilberto Freyre – Uma interpretação do Brasil”, publicado pela Biblioteca Nacional em 1989. O volume contém substanciosa introdução de autoria de Marcus Venício Toledo Ribeiro, assessor da Direção Geral da Biblioteca Nacional. Após algumas notas sobre a vida colegial do escritor, registra a ampla e variada repercussão do livro, aqui e alhures. É impressionante a quantidade e a variedade de manifestações, desde os mais renomados intelectuais até gente do povo, cordelistas e leitores em geral. Registra também os Seminários de Tropicologia cujos trabalhos eram publicados na excelente revista “Ciência & Trópico”, editada pela Fundação Joaquim Nabuco. O livro é rico em material iconográfico, estampando inclusive a célebre poltrona em que Gilberto escrevia, espalhando as páginas pelo chão e cercado de livros e papéis. Trata-se, enfim, de um excelente aperitivo para quem pretenda conhecer melhor a obra do autor.

Outro livro, este de autoria do próprio Gilberto, e que merece leitura é “Apipucos – Que há num nome?”, publicado pela Editora Massangana (Recife – 1983).  Trata-se de um livro-álbum, muito bem ilustrado, em que ele desvenda aos olhos do leitor o bairro de Apipucos, no Recife, onde edificou o célebre solar e instalou o “bunker” em que produzia e ganhava o país e o mundo. Escrito com visível sentimento, o livro revela detalhes sobre o bairro, a floresta muito bem cuidada, a lagoa e os canoeiros, as lavadeiras, árvores de destaque que são verdadeiros monumentos vegetais, detalhes do solar, inclusive as paredes revestidas de azulejos portugueses, as imponentes casas da vizinhança, entre elas a de Delmiro Gouveia, figura que muito se destacou na história da região. É uma visão lírica e agradável de um dos tantos recifes que compõem o Recife. A presença de Gilberto fez dele um recanto conhecido em todo o país e por numerosos visitantes que acorriam de várias partes do mundo. É um livro admirável e que merece ser lido.

Diante disso, é fácil entender por que o Mestre de Apipucos é uma ausência muito sentida no cenário cultural.

 

Obs.: Texto escrito no Natal de 2022.

Enéas Athanázio: escritor e jurista catarinense, uma das maiores autoridades do país sobre cultura indígena, colunista da revista Blumenau em Cadernos e do jornal Página 3, é autor de mais de cinquenta livros, entre eles Meu chão, O perto e o longe e O pó da estrada.

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