INTRODUÇÃO*

O fenômeno das “bolhas sociais” é tão antigo quanto a própria humanidade. Ao longo da história do mundo, pessoas se aproximam de outras e formam grupos, reforçando seus valores, ideologias, crenças e formas de ver e interpretar a realidade. Ocorre que esse comportamento gregário, que em outras épocas foi extremamente benéfico para as sociedades, hoje tem um viés de intolerância, sectarismo e isolamento, principalmente quando entra em cena o contexto das mídias sociais e comunidades virtuais da grande rede mundial de computadores, a internet.

Com o caráter filtrante e direcionador dos algoritmos da informática, a facilidade de gerar e compartilhar informações na rede potencializou o crescimento de dois fenômenos alienadores contemporâneos: as chamadas fake news e a “pós-verdade”. Nesse ambiente, mutatis mutandis, o usuário da internet perde o controle sobre seu círculo social e passa a ser controlado pela decisão de um algoritmo, que vai classificar cada ação realizada e escolher as pessoas que mais se assemelham aos seus atos, gostos e preferências, a fim de continuar disponibilizando a informação compartilhada por ela. Os filtros-bolhas (ou filtros de bolhas) podem ser definidos como um conjunto de dados gerados por todos os mecanismos algorítmicos utilizados para se fazer uma edição invisível voltada à customização da navegação on-line. Através desse “ilusionismo de navegação”, a opção de escolha intencional do usuário é prejudicada, isto é, a sua privacidade é violada. Os filtros de bolhas podem ser utilizados para controlar o conteúdo visto, permitindo uma manipulação mercadológica, ideológica e política. Aqui, qualquer semelhança com o conceito, ainda que batido, da transformação das pessoas em mercadoria, desenvolvido pelo famoso sociólogo Zygmunt Bauman[1], não é mera coincidência.  

Por conseguinte, no mundo da pós-verdade, as fake news são extremamente perigosas, visto que, independentemente das suas motivações, são mentiras objetivas, ou seja, informações ilegítimas que não condizem com a realidade, produzidas, de forma maléfica, para induzir uma comoção social sobre determinado assunto. Assim, é perfeitamente plausível que as fake news deem origem a formas de pós-verdade.

É triste, porém é uma constatação real: o termo “pós-verdade” foi eleito a palavra do ano em 2016 pelo dicionário Oxford, no qual foi definida como “a ideia de que um fato concreto tem menos significância ou influência do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. De acordo com tal dicionário, o prefixo “pós” transmite, lamentavelmente, a ideia de que a verdade ficou para trás. Assim sendo, pós-verdade é o fenômeno através do qual a opinião pública reage mais a apelos emocionais do que a fatos objetivos. Segundo esse conceito, a verdade dos fatos é colocada em segundo plano quando uma informação recorre às crenças e às emoções das massas, resultando em opiniões públicas manipuláveis.

Vê-se, com efeito, que o fundamento da pós-verdade foi retirado do conceito psicológico de viés cognitivo, que explica a tendência natural do ser humano de julgar fatos com base na sua própria percepção. Desse modo, quando essa tendência é explorada pelos meios de comunicação, principalmente os digitais, para fins midiáticos, econômicos ou políticos, nasce o fenômeno da pós-verdade, no qual as massas “preferem acreditar” em determinadas informações que podem não ter sido verificadas. 

Neste enredo contemporâneo de distorção da realidade, as bolhas sociais caíram como uma luva na propagação e sedimentação da pós-verdade, essa espécie de seleção afetiva de identidade e de “conhecimento”, na qual as pessoas se identificam com as notícias que melhor se adaptam aos seus conceitos. À medida que são geradas bolhas de percepções equivocadas, compromete-se a saúde social, individual e coletiva. É imperioso que tais fenômenos sejam combatidos e repelidos por meio da educação, do pensamento crítico, da ética e do bom uso das virtudes intelectuais.         

Em nossa metodologia, ao abarcar o fenômeno das bolhas sociais no mundo contemporâneo, utilizaremos como referências obras de pensadores de renome mundial nas ciências humanas, tais como a filosofia em geral (e particularmente a filosofia analítica da linguagem), a antropologia, a sociologia, a linguística, a psicologia, bem como autores atuais da epistemologia com esse foco específico de abordagem.

 

* Esta é a introdução de um artigo apresentado por este subscritor ao Mestrado em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba, pelo Programa de Pós-Graduação da UFPB. 

[1] Cf. Bauman, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Zahar, 2008 [Trad. de Carlos Alberto Medeiros].

Thiago Andrade Macedo: escritor infiltrado no serviço público federal, advogado não militante, autor do romance policial, psicológico e filosófico O Silêncio das Sombras, também atuou como articulista do jornal A União; filho de pernambucanos nascido nas Minas Gerais, atualmente é um ex-nômade radicado em João Pessoa, Paraíba.

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