Curioso documentário televisivo me levou a reler Antoine de Saint-Exupéry (1900/1944), escritor francês que foi muito lido nos tempos em que o Brasil ainda lia e se tornou conhecido pelo livro “O Pequeno Príncipe”, considerado a leitura das misses e que está longe de ser literatura infantil como se acredita. Outros livros do autor também tiveram grande curso entre nós, em especial “Correio Sul” e “Voo Noturno”, ambos publicados pela Editora Nova Fronteira (Rio – 1982).

Saint-Exupéry foi um misto de escritor e piloto, tornando-se objeto da admiração internacional graças ao seu arrojo e sua coragem. Nos primórdios da aviação, pilotando aparelhos ainda precários, fazia o roteiro noturno entre Buenos Aires e o Rio de Janeiro, depois estendido para a Europa. Os voos noturnos eram combatidos e reprovados pelo perigo que representavam para seus tripulantes, muitos deles tragados pelas tempestades, mas a empresa “Lignes Aériennes Latécoère”, nos idos de 1918, logo após o término da I Guerra Mundial, decidiu implantá-los como forma de vencer a concorrência dos trens e navios que transportavam correspondência e não paravam durante a noite, assim ganhando tempo. Como um desses heróis do ar, Saint-Expéry fez muitas vezes esse trajeto, acreditando-se que realizou escalas para manutenção e reabastecimento na Praia do Campeche, em Florianópolis, gerando muitas lendas a respeito de um presumível relacionamento com moradores da região. O pesquisador catarinense João Carlos Mosimann se debruçou sobre o teme em livro bem fundamentado, restabelecendo a verdade histórica (“Os Aviadores Franceses – A América do Sul e o Campeche” –  Florianópolis – 2012). Nas suas longas viagens o piloto-escritor sofreu acidentes graves, relatados em suas obras com grande realismo, e acabou desaparecendo nas águas do Mar Mediterrâneo em 31 de julho de 1944.

No livro “Voo Noturno”, de leitura empolgante, o piloto Fabien e seu radiotelegrafista são envolvidos por uma tremenda tempestade durante a noite. A luta contra a morte é narrada de maneira a provocar intensa comoção no leitor. Isolados na imensidão do céu, envolvidos por uma escuridão impenetrável, batidos por ventos terríveis, em meio a raios e trovões, são forçados a ganhar altura e assim consumindo mais combustível. Em baixo, a tempestade compacta seria invencível e então sobem e sobem em direção às estrelas que brilham no céu.  Perdem contato com o posto de Buenos Aires, o telégrafo não responde, a gasolina está acabando e, por fim, exausto, o piloto parece se render ao inevitável. É mais uma vítima das forças que eles desafiavam em cada uma das longas jornadas. No posto, o chefe Rivière, implacável, lamenta no íntimo a perda de mais dois homens, mas o “espírito da linha” está acima dessas questões e os voos noturnos têm que se firmar. Hoje são uma trivialidade em todo o mundo.

No correr do mês de setembro, com minha mulher e minha filha, realizamos uma visita ao Campeche procurando o presumível local em que os pilotos franceses, entre eles Sant-Exupéry, pousavam nas suas escalas. Lá encontramos o monumento erigido em homenagem ao piloto-escritor, mostrando o Pequeno Príncipe sobre o seu asteroide e tendo em volta reproduções do avião, do poço (cheio de lixo) e da jiboia devorando o elefante. Tudo bem feito, embora mal cuidado e sujo. Nas redondezas o mato cresce exuberante.

Para encerrar, algumas passagens de “O Pequeno Príncipe” colhidas ao acaso:

As pessoas grandes têm sempre necessidade de explicações detalhadas.

Quando o mistério é impressionante demais a gente não ousa desobedecer.

Eu corro o risco de ficar como as pessoas grandes, que só se interessam por números.

Quando a gente está muito triste gosta de admirar o pôr-do-sol.

Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para fazê-lo feliz quando a contempla.

Não se deve nunca escutar as flores. Basta admirá-las, sentir seu aroma.

Ele não sabia que, para os reis, o mundo é muito mais simples. Todos os homens são súditos.

Regulamento é regulamento. Não é para compreender.

Quando a gente quer fazer graça, às vezes mente um pouco.

As pessoas grandes julgam ocupar muito espaço. Imaginam-se tão importantes quanto os baobás.

As estrelas são todas iluminadas. Será que elas brilham para que cada um possa um dia encontrar a sua?

Entre os homens a gente também se sente só.

A gente só conhece bem as coisas que cativou. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma.

O essencial é invisível aos olhos.

Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração.

Os homens embarcam nos trens, mas já não sabem mais o que procuram.

Os olhos são cegos. É preciso ver com o coração.

O que é importante não se vê.

Quando olhares o céu à noite, eu estarei habitando uma estrela, e de lá estarei rindo.

Eu não te abandonarei!

Enéas Athanázio: escritor e jurista catarinense, uma das maiores autoridades do país sobre cultura indígena, colunista da revista Blumenau em Cadernos e do jornal Página 3, é autor de mais de cinquenta livros, entre eles Meu chão, O perto e o longe e O pó da estrada.

E-mail: e.atha@terra.com.br